RIO — Ainda desigual, mas com avanços.
Nos últimos dez anos, negros experimentaram uma melhora nas taxas de
emprego e de renda. Aumentou participação de negros entre os
empregadores, a categoria mais bem paga do mercado de trabalho: em 2003,
representavam 22,84% do total de empregadores; em 2013, já são 30,19%,
revela estudo do economista Marcelo Paixão sobre empreendedores negros. É
bem verdade que, quando estão em postos de comando, os negros estão
predominantemente em atividades de mais baixo rendimento, sobretudo, no
comércio e serviços em geral, como cabeleireiros, donos de armarinhos,
designers e trabalhadores da construção civil, onde a presença deles é
maioria. Entre as mulheres negras, grupo com maior dificuldade de
inserção no mercado de trabalho, o desemprego caiu de 18,2% para 7,7%.
Segundo o coordenador de Trabalho e
Rendimento do IBGE, Cimar Azeredo, a melhora na economia propiciou a
ascensão profissional. Com renda maior, o negro que trabalhava por conta
própria pôde incrementar seu negócio e passar a contratar um
funcionário, tornando-se um empregador.
— É um salto expressivo. O mercado de
trabalho está menos desigual. Ainda se encontram as mazelas de gênero,
de cor, de jovens, mas mais amenizadas — afirma Azeredo.
As desvantagens de empregadores negros
passam por uma poupança menor. Com menos capital que os brancos, eles
costumam ter negócios no setor de serviços, em que os investimentos são
mais baixos. Mas a análise dos últimos dez anos mostra que a renda de
empregadores negros subiu 42,59%, enquanto a dos empregadores brancos,
20,46%.
Enquanto em 2003, um empregador negro
recebia o equivalente a 49,37% do rendimento de um empregador branco,
hoje, ele ganha 58,43%. De acordo com Paixão, a redução dessas
assimetrias no mercado de trabalho são explicadas, em parte, pela
valorização do salário mínimo e de programas de transferência de renda.
— O rendimento de pretos e pardos,
proporcionalmente, elevou-se mais que o dos brancos no mesmo intervalo, e
tal cenário pode ter contribuído para esse movimento. O mesmo pode-se
dizer da escolaridade média. Por outro lado, não se deve descartar por
inteiro o fenômeno do crescimento relativo de pretos e pardos no
conjunto da população, o que também inclui o grupo dos empregadores —
afirma.
Paixão está em campo com uma pesquisa
encomendada ao Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), que
investiga a discriminação no acesso ao crédito no país.
— Se o empregador não tem recursos,
perde uma oportunidade muito grande. Tia Ciata passou a vida inteira com
um tabuleiro, quando ela deveria ter uma barraquinha — ilustra.
Para o economista Marcelo Néri,
presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e
ministro-chefe interino da Secretaria de Assuntos Estratégicos da
Presidência, o aumento da escolaridade é o fator fundamental para que
negros obtenham um posto de comando.
Segundo Néri, embora o lucro de
empreendedores sem instrução tenha sido 74,9% menor que o de pessoas com
11 anos ou mais de estudo, entre 2003 e 2013, o rendimento deles subiu
29,7% no período. A educação de um negro, em termos de anos de estudo,
representa 80% da de brancos, segundo dados do Censo de 2010.
— A fotografia ainda é favorável a quem tem estudo, mas a novidade é o filme que mostra redução da desigualdade — afirma.
O presidente do Ipea avalia que
contribuíram ainda para a ascensão de negros no mercado de trabalho o
maior orgulho da raça, que se traduziu em mais pessoas se autodeclarando
negras nas novas gerações. Segundo ele, apesar de ainda ser cedo para
ver um efeito das cotas, a chance de alguém nascido nos anos 80 de se
reportar como negro é 61% maior que a de um nascido nos anos 1940. Já em
2011, a chance de alguém se reportar como negro era 36% maior do que em
1998.
— Entre 2003 e 2011, 40 milhões de
pessoas entraram na nova classe média e três quartos são pretos e
pardos, quase a população negra sul-africana. Essa nova classe média é
fruto do orgulho e do aumento da renda — resume Néri.
A empresária Lia Vieira diz que não
foram poucas as vezes em que viu pessoas se surpreenderem com o fato de
ela ser dona de uma agência de viagens. Com clientes predominantemente
afrodescendentes e faturamento acima de R$ 200 mil mensais, Lia diz que a
formação foi fundamental para que ela chegasse aonde chegou:
— Eu prezo muito a qualificação. O
mercado é muito competitivo, e só há espaço para aqueles que investem em
si mesmos. A grande dificuldade do empresário negro é que não temos
poupança acumulada, não temos herança de família.
A estilista Marah Silva diz que herdou
da mãe, baiana de acarajé, a veia empreendedora. Depois de trabalhar com
produção de eventos e comida, ela saiu da informalidade em 2006, quando
abriu um ateliê de moda na Lapa, centro do Rio. No mês passado, foram
480 peças, um feito para o tamanho do empreendimento.
— Para o empreendedor negro,
infelizmente a cor ainda é um percalço, mas a postura não é. Eu sento
com meu gerente de banco e vejo o primeiro olhar e o último. Ele nota
que tenho conhecimento do que estou falando — diz Marah.
O empresário Josué Elias e a família
trabalham com uma pequena empresa de acessórios e bijuterias em couro na
casa onde também moram, em Cascadura. Para ele, mais que dificuldades
de raça, os microempresários como ele sofrem com a burocracia.
— Acredito na força do trabalho. Com
qualidade, tenho quebrado muitas barreiras. Já houve discriminação, mas
não foi o mais importante.
A rede Instituto Beleza Natural, com 13
salões de beleza em três estados, nasceu quando a ex-empregada doméstica
Heloísa Assis, a Zica, criou uma fórmula para relaxar cabelos crespos.
Ao lado do marido Jair, do irmão dela, Rogério Assis, e da amiga Leila
Velez, Zica criou uma rede especializada em cabelos crespos. Hoje, são
uma média de 90 mil clientes por mês e um faturamento que subiu 27%
entre 2011 e 2012.
— A cada instituto que abrimos geramos mais de cem empregos diretos — orgulha-se Zica.
http://mariafro.com/2013/05/28/em-10-anos-taxa-de-patroes-negros-subiu-de-2284-para-3019/