Miraglia deixou a defesa de Nilton Monteiro
após ter a casa invadida por delegados da Polícia Civil de MG que
buscavam um documento falso
Por Lúcia Rodrigues para o Viomundo.
Um homem acuado e com medo de morrer. É assim que o advogado Dino Miraglia se define.
Até 21 de agosto ele advogava para Nilton Monteiro, o delator do
mensalão tucano, que está preso no complexo penitenciário de segurança
máxima Nelson Hungria, em Contagem, região metropolitana de Belo
Horizonte, acusado de ser falsário.
Nilton tinha intimidade com o ninho tucano em Minas Gerais.
Participou de esquemas. Para figurões do PSDB, trata-se de um
chantagista que decidiu ganhar dinheiro com informação, o que ele
contesta.
O advogado Miraglia deixou a defesa de Nilton Monteiro após ter a
residência invadida por um grupo de dez delegados da Polícia Civil de
Minas Gerais que buscavam, segundo ele, um documento falso. O episódio
lhe custou um casamento de décadas, 26 anos de união e seis, de namoro.
Assustadas com a operação policial, que envolveu até helicóptero, mulher
e filha resolveram se afastar dele.
A esposa já o havia advertido diversas vezes para recusar ações que
atingissem políticos mineiros. Dino não ouviu os conselhos e continuou
advogando para o delator do mensalão tucano.
A invasão da polícia para cumprimento de mandado de busca e
apreensão foi a gota d’água para a família. Antes disso, ele já havia
sido ameaçado de morte várias vezes devido à atuação nessas causas.
Apesar de não citar o nome de quem o ameaçou com uma pistola ponto
40, o advogado deixa transparecer que se trata de Márcio Nabak,
delegado-chefe do Departamento Estadual de Operações Especiais, o
Deoesp, de Minas Gerais.
O policial seria aliado de políticos denunciados no mensalão tucano, segundo o delator do esquema, Nilton Monteiro.
O advogado diz que a invasão policial teve forte impacto psicológico na família.
“Mula” da corrupção tucana
modelo Cristiana Aparecida |
No currículo profissional, Dino acumula ainda a defesa da família
da modelo Cristiana Aparecida Ferreira assassinada, em agosto de 2000,
nas dependências de um flat no centro de Belo Horizonte, por um
ex-namorado, Reinaldo Pacífico de Oliveira Filho.
É um caso bizarro. Inicialmente a morte da modelo foi considerada “suicídio”.
Vejam aqui, no texto da revista Época.
Isso apesar desta descrição do corpo de Cristiana:
Quando nova perícia foi feita, a polícia passou a dizer que Cristiana foi vítima de crime passional.
Mas o advogado Dino sustenta que tratou-se de queima de arquivo.
Segundo ele, Cristiana tinha papel central no esquema de corrupção do PSDB em Minas Gerais.
Era ela quem transportava o dinheiro das transações do mensalão tucano.
Na linguagem popular, Cristiana era “mula” do esquema de corrupção.
O advogado acusa o ex-ministro do Turismo e das Relações
Institucionais, Walfrido dos Mares Guia, um dos réus do mensalão tucano,
de ser o mandante do crime.
De acordo com ele, Walfrido teria mandado matar Cristiana porque ela “sabia demais”.
“A morte da modelo foi encomendada”, frisa.
No julgamento do acusado de matar Cristiana, o ex-ministro e
ex-vice-governador de Minas (no mandato de Eduardo Azeredo, 1995-1999)
foi convocado a depor como testemunha, mas não compareceu. Alegou que
estava em viagem aos Estados Unidos.
Acusado pelo crime, Reinaldo Pacífico de Oliveira Filho, um
ex-namorado da vítima, está solto até hoje, apesar de ter sido condenado
por júri popular a 14 anos de prisão e de a segunda instância ter
ratificado a decisão.
“Nunca vi corno de garota-de-programa” que mata dois anos depois do fim do relacionamento, diz o advogado.
Segundo Dino, o assassino está em liberdade graças a um habeas
corpus concedido de ofício pela ministra do STJ, o Superior Tribunal de
Justiça, Laurita Vaz.
De acordo com o advogado, Cristiana aparece numa lista de
pagamentos supostamente compilada pelo publicitário Marcos Valério, como
beneficiária de mais de R$ 1,8 milhão.
Valério foi recentemente condenado pelo STF por conta do papel que
desempenhou no mensalão petista: segundo a acusação, as empresas dele
forjaram contratos de publicidade para encobrir desvio de dinheiro
público em benefício do PT e de aliados.
O mesmo tipo de ação é atribuída a Valério no mensalão tucano, que é
de 1998, quando Eduardo Azeredo fracassou na tentativa de se reeleger
governador de Minas e FHC se reelegeu presidente.
Dino pediu o apensamento dos papéis nas quais a modelo é mencionada
ao processo do mensalão tucano, que corre no STF e já inclui a chamada
lista de Furnas.
Esta lista é uma relação detalhada de constribuições de campanha
feitas com dinheiro que funcionários da estatal teriam arrancado de
fornecedores da empresa.
Vários nomes se repetem nas duas listas — a de Valério e a de Furnas.
O objetivo da ação do advogado é mostrar a relação entre a morte da modelo e o esquema de corrupção tucano.
Segundo laudo da Polícia Federal, a lista de Furnas não foi forjada.
Já a lista de Marcos Valério, que Dino Miraglia encaminhou ao
ministro Joaquim Barbosa para anexar ao processo do mensalão tucano, não
tem laudo de autenticidade da PF.
O documento entregue a Barbosa seria uma cópia, o que impede perícia.
Medo no ar
Dino Miraglia relutou em conceder entrevista. Visivelmente
assustado, lançou mão de subterfúgios para protelar o encontro, que
ocorreu no começo da tarde do último dia 5.
O primeiro contato da reportagem ocorreu em 2 de dezembro, por meio de celular, e parecia normal.
Do outro lado da linha, o advogado informava que estava em São
Paulo e que retornaria à capital mineira naquela noite. Marcou o
encontro para o dia seguinte, às 10 horas da manhã, em seu escritório.
Pela porta de vidro opaco da sala de espera do gabinete de advocacia, vimos o vulto de um homem alto sair.
Minutos depois, a secretária recebeu um torpedo de Dino dizendo que
não poderia comparecer ao escritório, porque teria de atender flagrante
envolvendo um cliente.
Depois de várias outras tratativas telefônicas, quando já não
contávamos com a entrevista, o advogado surpreendentemente concordou,
questionando com voz de preocupação: “Você pode vir aqui, agora (para o
escritório)?”
O medo de Dino não é infundado. A política mineira é sui generis.
Em nossa passagem por Belo Horizonte, constatamos situações que parecem
justificar o receio. Alguns dos entrevistados só concordaram em falar em
off (sem se identificar publicamente). No caso de uma das fontes,
chegou às suas mãos, enquanto conversava conosco, um calhamaço de papéis
com transcrições de diálogos de conversas grampeadas pela polícia
mineira.
O monitoramento de adversários políticos em Minas faz lembrar o regime de exceção vivido durante a ditadura militar.
Roger Libório
Há crimes que, pela repercussão, geram um esforço de investigação
impressionante – a ponto de, em poucos dias, serem elucidados. E há
outros que só são apurados após muita insistência. O caso da modelo
Cristiana Aparecida Ferreira, morta em agosto de 2000 num flat em Belo
Horizonte, em Minas Gerais, pertence à segunda categoria.
Passados dois anos e meio do assassinato, foi apenas na semana
passada que se conheceu oficialmente a causa da morte — Cristiana foi
sufocada com um objeto de pano, que pode ter sido um travesseiro ou um
lençol enrolado.
Ela foi agredida e as marcas da violência foram registradas em seu
corpo. Para chegar a essa conclusão foi preciso reanalisar as fotos da
vítima, exumar o cadáver e fazer uma necropsia. O primeiro laudo, que
atestava ‘suicídio’, revelou-se uma grosseira peça de ficção. Os
médicos-legistas responsáveis pelo documento, Remar dos Santos e Tyrone
Abud Belmak, não se pronunciam.
O Ministério Público (MP) agora investiga por que foi montada a farsa, típica dos anos da ditadura.
Cristiana, morena de 1,78 metro, queria fazer carreira de modelo,
mas, aos 24 anos, havia conseguido apenas se tornar uma figura popular
entre os ricos e famosos da capital mineira.
Quando foi morta — aparentemente por um ex-namorado ciumento, que
perdeu a carona na ascensão social e nas amizades importantes da moça –,
o MP teve de enviar à polícia diversos ofícios pedindo a apuração do
caso. ‘Requisitamos várias diligências, mas elas nunca foram feitas’,
conta o promotor Luís Carlos Martins Costa.
Quando a polícia encaminha um cadáver para o IML, tem de preencher
uma ficha pedindo vários tipos de exame — basta marcar um ‘x’ em cada um
deles. Pode-se procurar, por exemplo, indícios de agressão física e
violência sexual.
O corpo de Cristiana foi encontrado na cama apenas de sutiã, sem
calcinha e com vários hematomas, mas os investigadores solicitaram
apenas exame toxicológico, anotando ao lado: ‘Suspeita de suicídio’. Na
cena do crime não havia nada que sugerisse isso, como vidro de raticida,
seringa ou bilhete de despedida.
O boletim de ocorrência foi lavrado em 6 de agosto. Somente no dia
11 de dezembro, quatro meses depois, foi instaurado um inquérito
policial. Ele passou por vários delegados e muitas trapalhadas — um
ex-namorado, o empresário Luiz Fernando Novaes, chegou a ser preso e
depois solto por falta de provas. A conclusão final, porém, foi
novamente de ‘auto-extermínio’.
O Ministério Público teve de investigar sozinho, colher 41 depoimentos e pedir a exumação do cadáver.
O ex-namorado Reinaldo Pacífico, contra quem Cristiana já
registrara um boletim de ocorrência por agressão, vinha perseguindo a
modelo. Sujeito misterioso, ganhava a vida como detetive particular mas
se apresentava como ‘juiz criminal’. Ele tornou-se o principal suspeito
depois que uma testemunha — agora sob proteção federal — admitiu tê-lo
ouvido confessar o crime.
Parece difícil, contudo, que Pacífico tenha sido capaz de agir
sozinho na etapa seguinte do crime — a de embaralhar pistas e
transformar sinais de um assassinato brutal em suicídio.
Essa tarefa exige a cumplicidade de policiais, além da boa vontade
da cúpula da máquina de segurança de Minas Gerais — recursos pouco
acessíveis na mala de truques de um detetive particular.
Por isso a promotoria agora quer apurar o que levou a polícia e os
legistas a conduzirem a investigação de forma tão relapsa. ‘Há indícios
de supressão e de alteração de documentos’, diz Martins Costa.
Entre outros papéis, sumiu o depoimento de um dos irmãos da vítima,
Cláudio Ferreira, que havia dado a lista de todas as pessoas
importantes com as quais Cristiana teria se relacionado. ‘O delegado
chamou o rapaz alguns dias depois, disse que o depoimento não tinha
validade e o questionou novamente, orientando para não citar nomes’,
acusa o promotor.
Entre os famosos mencionados pela família de Cristiana estava Jairo
Magalhães Costa, diretor do Banco Real, o único a admitir ter tido um
caso com a moça.
Mas uma irmã da vítima, Simone Ferreira, testemunhou dizendo que
ela ‘estava se encontrando’ com Djalma Moraes, presidente da Cemig.
Ele é casado, nega qualquer relacionamento com a modelo e declarou
que a viu apenas duas vezes — foram apresentados pelo ex-secretário da
Casa Civil Henrique Hargreaves.
Em outro depoimento, uma amiga de Cristiana disse que ela apregoava
um breve caso com o ex-governador Newton Cardoso, que declarou jamais
tê-la visto na vida. E vários parentes afirmaram que Cristiana era amiga
próxima do ministro do Turismo, Walfrido Mares Guia, para quem
trabalhava e viajava freqüentemente.
Num depoimento tomado às vésperas da posse na equipe de Lula, Mares
Guia disse que a conhecia de vista. Para uma pessoa tão pouco
relacionada, é surpreendente que tenha conseguido ser recebida no
Palácio da Liberdade, quando chegou a ser fotografada ao lado do
governador Itamar Franco — parentes dizem que ela fora pedir um emprego.
Entende-se que pessoas importantes queiram proteger sua intimidade, especialmente contra boatos que podem não ter fundamento.
Resta saber se foi por influência política que o primeiro laudo
notava ‘ausência de lesões externas macroscopicamente visíveis’ num
cadáver com três fraturas e vários hematomas. É um erro tão grosseiro
que lembra os documentos produzidos nos anos de chumbo para mascarar a
tortura de presos políticos. As informações são do Viomundo.
http://www.novojornal.com/politica/noticia/advogado-diz-que-morte-de-modelo-tem-ligacao-com-mensalao-tu-27-12-2013.html
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