Causou perplexidade a forma como o presidente Lugo jogou a toalha, acatando seu impeachment, em golpe sumário, de forma até surpreendente pela falta de reação mais contundente. Chegou a sair com um sorriso do Palácio, coisa estranha para quem acabara de levar um golpe.
Ele poderia ter feito um escândalo na imprensa internacional, como fez Zelaya em Honduras, mas ficou voltado só para o embate interno no Paraguai. Poderia não ter enviado advogado para fazer sua defesa ao Senado para não legitimar o julgamento de impeachment. Poderia ter convocado de própria voz o povo nas ruas. Não fez nada disso.
Seria radicalismo cristão, ao oferecer a outra face após ser "esbofeteado" (de forma figurada) por dezenas de senadores e deputados?
Não. Ouvindo suas palavras no dia seguinte, nota-se que ele tem uma estratégia política.
É preciso entender a realidade do Paraguai, para tentar compreender os movimentos do presidente deposto.
Lugo foi eleito com uma coligação ampla, para vencer o partido colorado, das oligarquias, que estava no poder há décadas.
Ele, como o "bispo dos pobres", militante pela inclusão social. Do outro lado, o Parlamento eleito, inclusive com seus ex-aliados, era todo conservador e ele não conseguia governabilidade para fazer reformas populares. Mesmo na presidência, e com "vontade política", não conseguia fazer um governo verdadeiramente progressista. E ainda por cima, toda vez que não mandava baixar o porrete em movimentos sociais, era ameaçado de impeachment, até que aconteceu.
É improvável que Lugo tenha provocado seu próprio impeachment, mas a partir de certo ponto ele parece ter resolvido fazer do limão, a limonada. Em vez de passar 5 anos como um leão sem dentes na presidência, e passar a faixa devendo promessas que não teria como cumprir, preferiu expor seus adversários como seus algozes, e jogar o ônus de um governo travado pelo Congresso, a quem de direito.
Lugo foi derrubado da presidência aceitando o "processo legal", logo ninguém pode prendê-lo, nem persegui-lo. Por isso, ele já é o líder da oposição em campanha eleitoral que ocorrerá daqui a 10 meses. Em vez de ser vidraça por fazer um governo travado, voltou a ser estilingue contra o partido colorado (e seus ex-aliados, de seu vice, que viraram a casaca para o lado da oposição)
Parece que Lugo não pode ser candidato a presidente nas próximas eleições (talvez possa, há controvérsias), mas no sábado disse pensar em ser candidato ao senado. No Paraguai o voto é em lista. Lugo puxando a lista elegerá uma grande bancada, e seu partido ainda terá grande chance de fazer o presidente, afinal o mesmo discurso de mudança que o elegeu em 2008, continua atual, já que ele foi impedido. E os atuais adversários ainda irão para o pleito com a pecha de golpistas pendurada no pescoço.
Se não der errado, a coligação de esquerda de Lugo recupera a presidência em 2013 e com uma nova correlação de forças no parlamento muito mais favorável.
O Brasil é o país mais importante para o Paraguai, por suas relações econômicas e fronteiriças. O grande desafio do governo Dilma é rebater a jurisprudência do golpe de estado "constitucional" criado, e deixar claro que golpes não podem ser recompensados. Mais um precedente, além do que houve em Honduras, não é nada bom para américa latina. Mas também é preciso calibrar a dose ministrada de sanções, para não causar retrocesso maior no Paraguai. O vice já será um governo fraco, e se cair no caos, poderá emergir algo como um golpe pior de algum aventureiro, nos moldes dos golpes dentro do golpe do século passado, patrocinado por países imperialistas, para melar eleições livres.
Ao que tudo indica, o grande desafio no Paraguai para as forças políticas progressistas e solidárias latino-americanas será fortalecer o projeto oposicionista de Lugo e enfraquecer o governo golpista de Frederico Franco, até as próximas eleições (ou até alguma reviravolta que antecipe o processo).
Em tempo: há quem reclame outro caminho, como o da rebelião popular, mas é preciso entender que não existe mobilização suficiente para isso lá, como foi visto desde sexta-feira. O que parece haver é o desejo de mudança da maioria pobre e da classe média progressista, mas silenciosa, que se manifesta nas urnas. Portanto o caminho pacífico da política escolhido por Lugo ainda é o melhor remédio, por enquanto.
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