Já lhes expliquei que meu trabalho é esse: analisar a mídia. Até gostaria
de escrever aqui sobre a Cidade
Antiga, de Fustel de Coulanges, clássico que ora leio sobre os hábitos,
cultura e revoluções em Roma e Atenas. Mas a vida é dura e eu tenho de ler e
analisar a coluna
do Arnaldo Jabor.
Depois do blogueiro da Veja declarar
seu voto em Serra, agora é a vez do colunista da Globo prestar continência.
Deixemos o chapeleiro doido pra lá. O Cafezinho ainda não tem verba para
adquirir roupas antiradioativas que o permitam explorar o lixo atômico da
Abril.
Do Jabor, porém, não dá para escapar. Ele joga
nas onze: faz comentário na CBN, no Jornal da Globo, escreve coluna pro Globo e
Estadão. Enfim, analista de mídia é como operário em fábrica de sardinha. Ou se
acostuma ao cheiro, ou se demite.
A manifestação de Jabor (assim como a
de Reinaldo) mostra o grau de tensão e perplexidade no ninho tucano diante da
possibilidade de derrota de José Serra nas eleições municipais de São Paulo.
Jabor não é sutil: ataca pesadamente Russomano, o lulismo, e entoa loas
descaradas à José Serra. Todos unidos em prol da mesma causa. Que
lindo.
Até aí tudo bem. Liberdade de imprensa é pra isso mesmo: assegura
o direito de obedecer cegamente aos ditames ideológicos de seus
chefes.
Não julgo Jabor, nem sua opção política, partidária e ideológica.
O ponto que eu gostaria de abordar é a sua convicção de que possui expertise
eleitoral acima dos profissionais que assessoram o PSDB. Essa convicção adquire
ares de delírio quando se percebe que ela cresce à medida em que os candidatos
apoiados pela mídia acumulam derrotas. Ou seja, quanto mais perde eleições, mais
a mídia se considera vencedora. Isso me interessa porque oferece uma interseção
entre análise de mídia e análise política.
Analisemos esse trecho do
artigo de Jabor:
*****
Mas Serra também errou. Tudo começou em
2002 quando, diante de meus pobres olhos perplexos, Serra não defendeu o governo
de FHC diante dos ataques de Lula no debate. Eu vi a cara do Lula quando
percebeu que a intenção do adversário era “não” defender o excelente governo que
acabara com a inflação, fez reformas etc… Por estratégia (quem foi a besta que
inventou isso?) ninguém podia defender os grandes feitos que o PSDB tinha
conseguido… Lula, espertíssimo, deitou e rolou nesse equívoco imperdoável,
inesquecível, que começou a derrotar o próprio Serra e o tucanato por tabela.
Nunca entenderei isso. Como não demitiram o chefe da campanha e deixaram-no
persistir nos erros até hoje? Serra acreditou no marketing em vez de crer em si
mesmo e em sua verdade.
*****
Jabor omite um fator básico. Os
estrategistas de Serra esconderam FHC por uma razão simples. O ex-presidente
havia se tornado extremamente impopular. O “excelente governo” terminava com
desemprego alto, dívida pública descontrolada, carga tributária dez a quinze
pontos superior ao início da gestão, serviços públicos desmantelados.
O
colunista vai mais longe e pede uma “demissão” retroativa do marketeiro da
campanha do Serra em 2002. Ou seja, Lula não ganhou porque o povo se identificou
com suas propostas. Lula ganhou porque o marketeiro do Serra não seguiu os
conselhos de Arnaldo Jabor.
Em seguida, Jabor afirma que a solução para
salvar a campanha de Serra é trazer FHC:
*****
Teria de assumir
isso, enquanto é tempo. Tem de superar seu complexo de Édipo e chamar FHC para a
campanha (o que não fizeram até agora), tem de mostrar com clareza, com imagens,
o importantíssimo trabalho que fez como ministro da Saúde, e não ficar dando
sorrisinhos de Papai Noel na TV. O eleitor respeita gente sincera, cortante,
corajosa. Ele tem de mostrar as aventuras populistas e falar das acusações que
pesam sobre o Russomano, como as supostas ações de falsidade ideológica, a
acusação de seu uso indevido da advocacia, seu suposto envolvimento com o
Cachoeira.
E mais: ele errou ao subestimar o papelucho que assinou na TV dizendo que não abandonaria a prefeitura. O povo não perdoa o descaso com que tratou o ridículo juramento. Ele tinha, sim, de chamar testemunhas, até religiosos e juristas e, fazendo um pouco o jogo do populismo “midiático”, jurar solenemente diante de todos que jamais largará a prefeitura.
Serra tinha de cumprir sua melhor promessa, quando se lançou em 2010: “Se vierem com mentiras, responderei com verdades”.
E mais: ele errou ao subestimar o papelucho que assinou na TV dizendo que não abandonaria a prefeitura. O povo não perdoa o descaso com que tratou o ridículo juramento. Ele tinha, sim, de chamar testemunhas, até religiosos e juristas e, fazendo um pouco o jogo do populismo “midiático”, jurar solenemente diante de todos que jamais largará a prefeitura.
Serra tinha de cumprir sua melhor promessa, quando se lançou em 2010: “Se vierem com mentiras, responderei com verdades”.
*****
Aí se interligam,
como eu aventei acima, análises de mídia e da política. A fórmula do sucesso que
Jabor oferece ao PSDB é, paradoxalmente, justamente aquilo que vem fazendo os
tucanos perderem tanto: superestimar a inteligência política dos medalhões da
mídia. Ao invés de trocarem ideias e experiência nas ruas, com o povo, o PSDB
tenta ler a realidade no mundinho fantasioso da mídia corporativa.
Eu já
presenciei, várias vezes, casos de delírio profundo entre pessoas mentalmente
saudáveis, porque acreditam mais na mídia do que na realidade. Lembro que quando
começaram a pipocar pesquisas mostrando a recuperação meteórica da popularidade
de Lula, o Globo vivia repleto de missivistas dizendo que “não acreditavam
nessas pesquisas porque não conheciam ninguém que gostava de Lula”. Na verdade,
a mídia cultivou bolsões de antilulismo, justamente nas áreas mais nobres das
grandes cidades. No caso do Rio, a zona sul carioca.
Não vejo nada demais
no antilulismo em si. As pessoas tem o direito de não gostarem de Lula, ou mesmo
de odiarem Lula. Faz parte da democracia. O que sempre me espantou foi o
descolamento da realidade. Confundir o mundinho fechado e sectário de
jornalistas, socialites e empresários conservadores com a pluralidade anárquica
e imprevisível do povo brasileiro!
Serra está perdendo voto em São Paulo
não por causa da incompetência de seus marketeiros. Jabor inicia seu artigo
dizendo que se vende candidato como se vende margarina. Não é bem assim.
Possivelmente muitas ferramentas do marketing político coincidem com aquelas da
publicidade comercial, mas o produto oferecido é totalmente distinto. A
comparação é um clichê neolacerdista para desmerecer a política.
Ninguém
conseguirá vender bem o candidato tucano porque ele está queimado junto ao
eleitor. Alguém poderia lembrar ao Jabor do livro Privataria Tucana,
protagonizado por José Serra. Alguém poderia lembrar Jabor das baixarias da
campanha de 2010.
Aí o colunista envereda por um raciocínio
contraditório. Diz que Serra subestimou “o papelucho” que assinou,
comprometendo-se a permanecer na prefeitura por todo o mandato. Mas ao usar o
termo “papelucho”, é o próprio Jabor que o subestima. Afinal, não importa a
qualidade do papel, e sim o compromisso do candidato. O que vale é a assinatura
e a palavra dada, e não se é um papel timbrado em ouro, com o carimbo do Papa. E
a sugestão de Jabor, de que Serra chame juristas, religiosos e testemunhas,
apenas para firmar um compromisso tão básico como ficar até o fim da gestão,
indica que o candidato é tão desacreditado que é preciso trazer o circo inteiro
para que seja dado crédito à palavra do palhaço.
As “sugestões” de Jabor
revelam, a meu ver:
* Desespero diante da derrota de Serra, o que poderia pôr em risco a
hegemonia tucana também no governo do Estado.
* Arrogância infinita, como se ele, Jabor, entendesse alguma coisa de
marketing político e eleitoral.
* Falta de entendimento do processo democrático: não são os marketeiros que
escondem FHC. É o povo que não gosta de FHC porque o associa ao ambiente
recessivo e sem esperança que vivemos na era tucana.
Tivemos ainda, no
domingo, mais um
artigo udenista de Fernando Henrique Cardoso. Dessa vez, porém, ele recebeu
o
troco de quem menos esperava. A própria Dilma Rousseff.
A estratégia
do PSDB, de fazer oposição ao ex-presidente em vez de fazê-lo à atual gestão,
afigura-se insensata, confusa e covarde. Visa apenas disseminar desinformação na
opinão pública, jogando com a sua escassa memória. A reação da presidente,
todavia, chamando a briga para si, bota os pingos nos is. Se quiserem fazer
oposição ao PT, façam ao governo atual.
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