quarta-feira, 10 de outubro de 2012

José Dirceu foi condenado. E agora?

 
Por Francisco Bicudo, no Blog do Chico:
Sei que vou ser xingado, detonado, desqualificado. Não me importo. Como diria Nelson Rodrigues, toda unanimidade é burra. De vez em quando, é preciso nadar contra a maré. Antes de comemorações, seria bom a gente gastar um tantinho de tempo para uma análise um pouco mais profunda, serena, cuidadosa.


Não conheço pessoalmente José Dirceu. Cruzei com ele algumas vezes em sedes e comitês do partido, em campanhas, em priscas eras, quando lá militava. Não tenho procuração para defendê-lo - aliás, nem tenho formação em Direito, estaria exercendo ilegalmente a profissão. Também não guardo por ele nenhuma - disse nenhuma - simpatia política. É figura complicada, politicamente falando. E acho até que José Dirceu deve ou pode mesmo ter feito parte, de alguma maneira, do esquema que ficou conhecido como "mensalão".

Mas às favas com o que eu acho, dane-se o que eu acho, não é com base em achismos que um julgamento no Supremo Tribunal Federal, a corte máxima do País, instituição guardiã da nossa Constituição, deve julgar e condenar quem quer que seja. Acompanhei o voto do relator Joaquim Barbosa, do revisor Lewandowski e dos demais ministros. E todas as "provas" que foram apresentadas para incriminar Dirceu foram a entrevista de Roberto Jefferson, as reuniões na Casa Civil, viagens para Portugal...

Quando não foram essas as "provas" citadas, escorregava-se num perigoso e taxativo "é impossível que ele não soubesse"... ou seja, estamos falando de suposições, de ilações, de expectativas e de conexões transformadas em máximas absolutas.

Já escrevi por aqui e retomo: até onde sei, e se estiver errado que me corrijam meus colegas advogados, um magistrado só pode julgar de acordo com os autos - e, se não há provas nos autos, deve prevalecer o princípio da presunção da inocência, que diz que "todos são inocentes até que se consiga PROVAR o contrário". Não é possível, em democracias, condenar a partir daquilo que eu acho, de suposições, de ilações, de desejos ou de vontades pessoais. Não pode. Ainda mais quando se trata de ação penal, o sujeito vai ser preso. É sério demais.

O fato é que quem condenou de antemão foi uma difusa opinião pública (ou publicada...), que não aceitaria outro resultado e está agora a levantar brindes e a comemorar. Era preciso "pegar os petistas". Com todo o devido respeito, sempre, o STF aproveitou os holofotes de uma narrativa midiática oportunista e espetacularizada e jogou para uma parte das arquibancadas, antes histérica, agora em êxtase, a soltar urros de alegria. No Coliseu romano, a sensação deveria ser semelhante quando o Imperador colocava o dedão para baixo e determinava a morte do gladiador - ou do cristão. Ou de qualquer outro desafeto.

Cuidado. O Brasil do século XXI não é a Roma dos gladiadores. Pode custar caro. Porque foi quebrado um princípio fundamental do Estado Democrático de Direito. Criou-se jurisprudência,virou referência e parâmetro para futuras ações - ou, usando um clichê, a porteira foi aberta. Porque hoje o "domínio do fato" foi usado para condenar José Dirceu. Amanhã... Quem será a próxima vítima?

Como já escreveu um poeta, "na primeira noite, eles se aproximam e colhem uma flor de nosso jardim. E não dizemos nada. Na segunda noite, já não se escondem, pisam as flores, matam nosso cão. E não dizemos nada. Até que um dia, o mais frágil deles entra sozinho em nossa casa, rouba-nos a lua e, conhecendo nosso medo, arranca-nos a voz da garganta. E porque não dissemos nada, já não podemos dizer nada".

Não se trata de fulanizar o debate e/ou de defender José Dirceu. Estou é preocupado com algo muito mais complexo e profundo, importante - os valores e fundamentos da democracia. Muitos podem não gostar, torcer o nariz, resmungar. Mas vivemos num Estado Democrático de Direito. Ainda.
 
http://altamiroborges.blogspot.com.br/2012/10/jose-dirceu-foi-condenado-e-agora.html

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