Por Luciano Martins Costa, no Observatório da Imprensa:
Estão estampadas na primeira página dos principais diários brasileiros
imagens do tornado que atingiu a cidade paulista de Taquarituba, matando
dois moradores e deixando mais de 350 desalojados. Os jornais também
discutem alguns efeitos das mudanças climáticas, como as tempestades
extremas que estão se tornando mais intensas e rotineiras no Brasil. O
tema ganha ainda mais destaque porque o incidente no interior de São
Paulo coincide com os relatos sobre o primeiro dia de debates dos
cientistas que participam da 6ª edição do Painel Intergovernamental de
Mudanças Climáticas, na Suécia.
Mas não é desse tipo de tempestade ou do aumento das temperaturas médias do planeta que estamos tratando. Assim como acontece nos dias seguintes, nos lugares devastados pelas tormentas, a imprensa brasileira parece estranhamente silenciosa, neste começo de semana. Os títulos das reportagens estão mais contidos, artigos passam a sensação de terem reduzido a costumeira praga dos adjetivos, e editoriais soam quase conciliatórios.
Em resumo, os jornais parecem ter despertado em plena ressaca moral, após uma semana em que todas as redações se empenharam em convencer um ministro do Supremo Tribunal Federal a mudar seu voto sobre a aceitação de recurso na Ação Penal 470.
Entre os assuntos mais polêmicos dos últimos meses, resta nas primeiras páginas apenas o programa Mais Médicos, com uma novidade interessante: depois de haverem oferecido amplos espaços e até estimulado o boicote promovido pelas associações médicas, os jornais mudam de posição e passam a contabilizar os prejuízos causados no sistema de saúde pelo movimento corporativista dessas entidades.
O caso mais interessante é o do Globo, que durante a recepção dos primeiros profissionais vindos do exterior chegou a publicar títulos jocosos que claramente procuravam desmoralizar o programa. Na terça-feira (24/9), o jornal carioca tem como manchete um balanço dos estragos produzidos pelo corporativismo das entidades médicas. “De norte a sul do Brasil, a cena foi a mesma: médicos formados no exterior chegaram para o trabalho no Programa Mais Médicos, mas não puderam atender ninguém porque os Conselhos Regionais de Medicina não concederam os registros provisórios”, diz o texto na primeira página.
Depois dos excessos
Também na Folha de S.Paulo e no Estado de S.Paulo há reportagens descrevendo a rotina dos médicos que estão impedidos de trabalhar enquanto os pacientes formam filas nos postos de saúde.
De maneira quase unânime, os três principais diários de circulação nacional induzem o leitor a condenar a atitude das associações profissionais de saúde, sobre as quais pesa a responsabilidade pelos problemas criados com a falta de atendimento nos lugares mais pobres do país.
O que teria mudado na orientação das redações, que até poucas semanas mal conseguiam dissimular o regozijo pelas dificuldades na implantação do programa de emergência?
Com todos os riscos presentes na análise da linguagem jornalística, pode-se dizer que os jornais estão refluindo de uma posição de confronto aberto contra o governo federal para uma tática menos antagônica. Registre-se, por exemplo, uma reportagem da Folha denunciando suspeita de falsificação de assinaturas na proposta de criação do futuro partido Solidariedade, iniciativa do sindicalista Paulo Pereira da Silva, que já controla o PDT em São Paulo.
Sabendo-se que o sindicalista pretende colocar a nova agremiação a serviço da candidatura presidencial do senador do PSDB Aécio Neves, que, de modo geral, tem contado com amplas simpatias na imprensa, o esforço de investigação da Folha merece atenção.
Diz o jornal que o projeto de partido está viciado até mesmo por fraudes nas assinaturas de chefes de cartórios. No entanto, o texto fica restrito aos fatos, não avançando na discussão sobre o sistema que permite a composição de siglas a granel, que no fim das contas vão engrossar o esquema de sangria de verbas públicas e venda de tempo de campanha na televisão.
De modo geral, os jornais de terça-feira lembram o dia seguinte das grandes bebedeiras, quando o indigitado festeiro tem que se haver com os efeitos do álcool e o desconforto moral que vem depois do vexame.
O fato é que a aceitação dos embargos infringentes no STF expõe um ponto polêmico do julgamento da Ação Penal 470: a teoria do domínio do fato. Depois de aplaudir essa interpretação da corte, que serviu para aplicar duras penas aos condenados, as redações começam a se dar conta das consequências que podem vir de tal jurisprudência.
Se a moda pega, muita gente com pendências na Justiça vai perder o sono.
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