Quadrilhas
de pastores ladrões, dívidas milionárias com as tevês, administração
amadora e investimentos equivocados na construção de grandiosos templos.
O que está por trás da crise financeira da Mundial, uma das mais
poderosas igrejas evangélicas do País
Chorar durante a pregação é um dos traços mais marcantes da performance
de Valdemiro Santiago de Oliveira, o todo-poderoso da Igreja Mundial
do Poder de Deus (IMPD), no púlpito. Criticado por abusar dessa
prática, o autointitulado apóstolo tem motivos mais terrenos para
derramar suas lágrimas atualmente. O império neopentecostal construído
por esse mineiro de 49 anos, nascido em Cisneiros, distrito de Palma, a
400 quilômetros de Belo Horizonte, vive a maior crise da sua história. O
mais recente indício de que a IMPD está fragilizada foi a decisão do
Grupo Bandeirantes de encerrar, na semana passada, a parceria que
mantinha com Valdemiro, que alugava quase a totalidade da grade da
programação do Canal 21 e ocupava cerca de quatro horas diárias nas
madrugadas da Band. Motivo do fim do acordo: atrasos no pagamento.
PASTOR Valdemiro Santiago criou um império religioso, viu seu rebanho se expandir por cerca de cinco mil templos e, agora, tenta colocar a casa em ordem ao ver sua igreja sangrar em milhões de reais |
Valdemiro até que tentou impedir o fato. De microfone em punho, o
comedor de angu que cuidava de marrecos na roça antes de se converter
evangélico usou toda a sua empatia com o povão. No início do mês, pôs o
rosto no vídeo, caprichou na voz chorosa e iniciou uma campanha
conclamando seus fiéis a ajudá-lo a arrecadar R$ 21 milhões para honrar
compromissos com o aluguel de horários na mídia. A Mundial já devia R$ 8
milhões ao Grupo Bandeirantes referentes a setembro. No fim deste mês,
outro boleto a vencer: R$ 13 milhões. A emissora paulista não confirma
oficialmente, mas a Igreja Universal do Reino de Deus, de Edir Macedo,
concorrente direta da Mundial, teria entrado na disputa por esses
horários e conseguido vencer a briga sobre a maior concorrente na
disputa por almas. “Pegaram a gente em um momento de fraqueza”, diz uma
liderança da IMPD. “Gastamos R$ 300 milhões com templos ultimamente e
vivemos um tempo de estruturação e amadurecimento.”
PODER Diante da crise, Valdemiro nomeou Jorge Pinheiro (acima), marido da irmã de sua esposa, para gerir o setor financeiro e administrativo da IMPD no lugar do bispo Josivaldo (abaixo), transferido para Lisboa |
"Cerca de 30% dos recursos que arrecadamos são desviados por bispos e pastores. Por mês, R$ 30 milhões saem pelo ralo", afirma um alto dirigente da IMPD do Rio de Janeiro |
Quisera Valdemiro Santiago, porém, que seus problemas fossem revezes
restritos apenas ao campo administrativo da sua igreja. Em São Paulo, o
líder evangélico é alvo de uma investigação do Ministério Público
estadual e da Polícia Civil. Desde janeiro de 2013, diligências feitas
pelo Grupo Especial de Delitos Econômicos (Gedec) e pela Divisão de
Investigações sobre Crimes contra a Fazenda, da Polícia Civil, apuram um
suposto crime de lavagem de dinheiro e ocultação de bens, direitos ou
valores. O dono da Mundial virou alvo das autoridades quando elas
descobriram que a Fazenda Santo Antonio do Itiquira, localizada em Santo
Antônio do Leverger (MT), um conglomerado de 10.174 hectares de terras
ocupado por milhares de cabeças de gado, foi comprado por R$ 29
milhões à vista pela empresa W. S. Music, cujos representantes são o
apóstolo e sua mulher, a bispa Franciléia. O caso, que pode configurar
uso do dinheiro de fiéis para enriquecimento pessoal, corre em sigilo.
A Mundial, fundada em 1998 – antes dela, Valdemiro fora pastor na
Igreja Universal por 18 anos (leia quadro) –, viveu um avanço muito
grande em um curto espaço de tempo. De 500 templos em 2009, hoje a
denominação computa mais de cinco mil unidades, segundo seus membros.
Acontece que a vida de uma igreja não se resume ao púlpito ou aos
cultos. Administrativa e financeiramente falando, a IMPD não evoluiu.
“Cerca de 30% dos recursos que arrecadamos são desviados. Por mês, R$ 30
milhões saem pelo ralo”, afirma um alto dirigente da denominação,
lotado no Rio de Janeiro. De acordo com ele, a devoção em torno dos
cultos, espécie de pronto-socorro espiritual, onde fiéis garantem ter
alcançado a cura divina para alguma enfermidade graças à intercessão de
Valdemiro, trouxe notoriedade à igreja e atraiu quadrilhas de pastores
que se infiltraram em seus templos para se apropriar das doações. “Há
dois anos e meio, por exemplo, o Valdemiro descobriu uma dessas
quadrilhas no ABC paulista liderada pelo bispo e por seus auxiliares e
os expulsou.”
PREGAÇÃO Com fama de milagreiro, Valdemiro fez fama ao se aproximar dos mais humildes. Abaixo, sua esposa, a bispa Franciléia |
Esse mesmo dirigente lembra do dia em que, ao manobrar seu carro na
saída de um culto, uma fiel bateu no vidro para alertar que pessoas
traíam a confiança do líder evangélico: “Pastor, está vendo esse carnê
da Mundial? A conta corrente aqui escrita não é a da igreja. Estão
distribuindo carnês falsos para o povo pagar! Avisa o apóstolo, por
favor!” Ou seja, o dinheiro estava sendo desviado num esquema paralelo
ao de Valdemiro. Professor da pós-graduação de Ciências da Religião da
Universidade Presbiteriana Mackenzie, Ricardo Bitun se deparou com essa
prática ao ir a campo para a confecção de sua tese de doutorado.
Intitulado “Igreja Mundial do Poder de Deus: Continuidades e
Descontinuidades no Neopentecostalismo Brasileiro”, o estudo defende que
Valdemiro foi o único dissidente da Universal que conseguiu alcançar
sucesso. E assim o fez graças, principalmente, à remasterização da cura
divina, uma prática bastante difundida no Brasil nos anos 1970. “Um
bispo me contou que havia pastores infiltrados em igrejas e até mesmo
bispos cobrando propinas de pastores”, diz Bitun.
SUSPEITA Uso do dinheiro de fiéis para enriquecimento pessoal, como a compra de uma fazenda de R$ 29 milhões (à esq., o documento de compra em seu nome), é investigado pelo Ministério Público e pela Polícia Civil de São Paulo |
Valdemiro é um líder religioso onipresente no altar e nos programas
televisivos e demorou a perceber que estava sendo traído por pessoas
muito próximas a ele – e do alto escalão da igreja. Havia um grupo
próximo a Josivaldo Batista de Souza, que era considerado o número 2 da
Mundial, agindo como lobos em pele de cordeiro. “Ele se deu conta de
que o problema advinha da concentração de poder em torno dessa turma”,
diz um membro da hierarquia paulista da Mundial. “Era gente pedindo
avião para fazer não sei o quê, para ter programa na televisão não sei
onde, para abrir igreja em um grotão aí...” Segundo esse integrante da
IMPD, Valdemiro cometeu erros próprios de líderes que sobem muito e
rapidamente. “Ele se cercou de um estafe pequeno que blindava o acesso a
ele. E, assim, passou a ouvir pouco outras opiniões. Precisa
amadurecer.”
FLAGRA Membros da Mundial chegaram a clonar carnês para desviar o dinheiro que era arrecadado dos fiéis nos cultos |
Diante das dívidas, dos calotes e das traições, o líder da IMPD está
tentando conter a sangria da sua igreja do jeito que pode. Transferiu
para Lisboa o pastor Josivaldo, um ex-membro da Universal que o
acompanha desde o começo dos trabalhos da denominação em Pernambuco,
segundo Estado onde ele fincou sua bandeira. Para substituir Josivaldo,
que era responsável pela gestão administrativa e financeira e cuidava
do dia a dia da Mundial, além dos bispos e pastores, Valdemiro achou
por bem recorrer a um familiar. Empossou o bispo Jorge Pinheiro, marido
da irmã da sua esposa Franciléia. Para tentar se reequilibrar
financeiramente, conta um bispo paulista, ele decidiu se desfazer de
duas Cidades Mundiais, como são chamados os megatemplos da IMPD, em São
Paulo e no Paraná. Elas se encontram fechadas pelos órgãos públicos
locais, após pouco tempo de funcionamento, por não preencherem
requisitos para receber o público. Um claro erro de avaliação que onerou
a igreja. “A Cidade Mundial paulista está fechada desde fevereiro de
2012. Mas Valdemiro, todo mês, tem de pagar R$ 5 milhões das parcelas da
compra dela”, diz o bispo. Missionário da IMPD, o deputado estadual
Rodrigo Moraes (PSC-SP), que foi designado pela igreja para fazer “a
coisa caminhar” junto aos órgãos públicos, segue na sua empreitada. “Não
recebi o comando de parar o trabalho ainda. Mas a vontade do apóstolo é
que fala mais alto”, afirma. Templos pequenos e mal localizados, que
não condiziam com a orientação de Valdemiro, também deixaram de ser
usados. “Cerca de 15% deles tiveram de ser fechados ou reestruturados”,
diz uma liderança da igreja. Pode ser uma saída para que a fama de
caloteiro não suplante a de apóstolo milagreiro.
NA JUSTIÇA Faz três meses que a Mundial não paga o aluguel do imóvel (acima), localizado em Pirituba (SP): ação de despejo e cobrança de R$ 34 mil. À esq., Cidade Mundial em São Paulo, que será fechada |
Não são poucos os templos ocupados pela IMPD que têm problemas com
aluguel atrasado ou ações de despejo em curso na Justiça. Em Pirituba,
por exemplo, bairro da capital paulista, o proprietário impetrou na
justiça uma ação de despejo contra a igreja por não receber o aluguel de
seu imóvel desde julho. E cobra, ainda, o pagamento de R$ 34.538,64.
De acordo com um de seus representantes legais, essa é terceira vez que
a justiça é acionada desde 2010, quando o local passou a ser ocupado
pela Mundial. “Não entendo a falta de organização da igreja. Não
acredito que ela não tenha caixa para pagar o aluguel”, diz ele, que
prefere não se identificar. “Esses problemas diminuíram 70% nos últimos
tempos”, garante Dênis Munhoz, advogado da Mundial. À frente também
do cargo de vice-presidente da Mundial, Munhoz refuta a ideia de a
denominação viver uma crise, argumentando que a IMPD é a evangélica que
mais cresce no Brasil. Sobre as quadrilhas de pastores, afirma: “Se
existe esse problema, a igreja sempre tomou as providências
rapidamente.” Prefere, no entanto, não comentar a perda dos espaços no
Canal 21 e na Band. Quem falou sobre o assunto foi o presidente da
IMPD, o deputado federal José Olímpio (PP-SP). “Estamos pagando muitas
prestações, os valores de aluguéis aumentaram, temos muitas obras em
andamento e acabou atrasando alguma coisa. Aí, deixa de pagar um mês e
vira um problema para a mensalidade seguinte”, diz.
Para se ver livre de mais
problemas, Valdemiro, que, procurado por ISTOÉ, não se manifestou,
entregou os horários que possuía na Rede TV! e na CNT. Deixou também de
alugar espaço em dezenas de retransmissoras de diferentes estados e
recuou no projeto de ocupar a programação de tevês da Argentina,
Colômbia e do México. “Muitas vezes, é melhor dar um passo atrás para,
depois, dar um maior à frente”, diz o alto dirigente da Mundial do Rio.
“Valdemiro me disse que estava, inclusive, vendendo a sua fazenda no
Mato Grosso.” Essa informação não foi confirmada pelo presidente nem
pelo vice-presidente da IMPD. Mas, na atual situação, receber R$ 33
milhões, valor estimado da Fazenda Santo Antonio do Itiquira, seria
como um milagre para o líder evangélico.
Rodrigo Cardoso
No IstoÉ
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