A família Mesquita, que passou a controlar o jornal na alvorada do
século XX e que edificou o grupo empresarial a que aquele periódico deu
origem, traz em seu “currículo” cumplicidade com o estupro da democracia
nos idos de 1964 e apoio a políticas públicas que enriqueceram poucos e empobreceram muitos, fazendo do Brasil um dos países mais desiguais do mundo.
Hoje, porém, o Estadão já tem concorrentes na imprensa em termos de
elitismo, arrogância e insensibilidade com as necessidades prementes da
maioria do povo brasileiro. Mas lidera o desprezo da imprensa de São Paulo
pela maioria do povo, que sobrevive em uma cidade desumana, edificada
para os ricos e que confinou as massas empobrecidas em suas franjas.
O gigantismo da cidade São Paulo – que já chega aos 12 milhões de
habitantes – criou o maior problema de mobilidade urbana do país e um
dos maiores do mundo. O Departamento de Trânsito da cidade
já contabiliza sete milhões de veículos registrados e quase 4 milhões
deles saem diariamente às ruas, via de regra com uma única pessoa em
cada um.
Alguns podem pensar que haver 7 milhões de veículos para 12 milhões
de habitantes é sinal de que quase 60% da população têm carro, mas essa
percepção está muito distante da realidade. Empresas e particulares
detêm pequenas frotas particulares, de modo que uma única família pode
ter 4, 5 veículos, enquanto que uma empresa chega a ter dezenas e até
centenas.
Estima-se, pois, que nem um quinto da população da capital paulista tenha carro particular, que ainda é um privilégio de poucos não só nesta cidade, mas no país inteiro.
A volta do PT ao comando da capital paulista no ano passado
propiciou a retomada de políticas públicas que agora começam a dar a
justa preferência ao transporte público nas ruas da cidade, pois os
carros de poucos desorganizam e impõem um sofrimento quase insuportável à
vida de todos.
Após os protestos de junho por conta da mobilidade urbana, o prefeito
Fernando Haddad retomou projeto que Marta Suplicy tentou implantar e
que foi interrompido pelas administrações José Serra e Gilberto Kassab,
que trataram de não mexer com o interesse da minoria motorizada como
Marta estava fazendo e Haddad volta a fazer.
O novo prefeito de São Paulo implantou um projeto que melhorou
sobremaneira a vida do povo mais humilde e não motorizado, as faixas
para ônibus nas principais artérias da cidade. Essa política confina os
carros particulares e libera os coletivos. Dessa forma, a velocidade
média dos ônibus aumentou sobremaneira, melhorando a vida da população
que vive mais longe do centro expandido, onde estão os empregos.
Não por outra razão, a grande maioria da população paulistana está
exultante com a inovação. Há relatos de pessoas que viram reduzir-se
pela metade o tempo de viagem de casa para o trabalho e vice-versa. A
popularidade da nova medida é tão grande que até um dos principais
adversários políticos de Haddad, o governador Geraldo Alckmin, viu-se
obrigado a elogiá-la.
Matéria do site Brasil 247
dá conta de que “Na avaliação do tucano [Alckmin], a Prefeitura ‘faz
muito bem’ em investir nas faixas exclusivas para ônibus. Segundo ele,
os corredores ‘são um espetáculo’”.
Não foi à toa que Alckmin elogiou a medida do adversário político. O
apoio da população paulistana a ela é cada vez maior e já preveem que
deve ser “exportada” para outros grandes centros urbanos do país a
partir da experiência paulistana.
Nesse contexto, editorial do jornal O Estado de São Paulo de 10 de
outubro destoa do sentimento da grande maioria dos paulistanos e afaga
uma minoria que é pequena até entre os donos de carro. Pesquisa Ibope
recente deu conta de que 61% dos paulistanos donos de veículos
particulares veem com bons olhos as faixas exclusivas para ônibus.
A explicação para donos de veículos particulares apoiarem uma
política que vem fazendo esses veículos trafegarem em velocidade menor
enquanto a dos ônibus aumenta, é muito simples: as pessoas prefeririam o
transporte público se ele funcionasse melhor, porque é caro, arriscado e
penoso tirar o carro da garagem.
A mera leitura do editorial do Estadão é revoltante pelo nível de
desonestidade intelectual do texto. Vale reproduzir e dissecar essa
argumentação abjeta que pretende defender o interesse dos mais ricos sem
se importar com os efeitos que esses interesses causam a toda uma
coletividade.
Abaixo, pois, sob cada trecho do editorial (em negrito) um comentário do Blog.
—–
O Estado de São Paulo
10 de outubro de 2013
Ao levantar a bandeira (eleitoral) da mobilidade urbana, o
prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, e o secretário municipal de
Transportes, Jilmar Tatto, assumiram o papel de defensores dos sem-carro
e passaram a combater, sem pensar nas consequências, a multidão dos que
se atrevem a sair às ruas em seus automóveis, mesmo tendo de enfrentar
grandes congestionamentos todos os dias. Os congestionamentos são cada
vez maiores, mas a dupla já começa a acumular resultados “positivos”
nessa batalha, mais do que ousada, demagógica.
Só um verdadeiro demente pode
considerar mobilidade urbana uma “bandeira eleitoral”. Que história é
essa? Mobilidade urbana é um problema seriíssimo não só da capital
paulista, mas de praticamente todos os grandes centros urbanos do país.
O editorial ainda chama o prefeito e
seu secretário de “defensores dos sem-carro”, que estariam atuando
contra os paulistanos “com carro”. Há, aí, uma tentativa de colocar em
lados opostos dois setores da sociedade paulistana que padecem com o
mesmo problema.
O primeiro parágrafo desse editorial
nefasto ainda transforma em sofredores os que optam por um transporte de
melhor qualidade, muito mais confortável, como se fizessem favor a
alguém ao ajudarem a congestionar ainda mais um trânsito caótico como o
de São Paulo.
Ela [a tal “bandeira eleitoral” de Haddad]
deve melhorar a arrecadação da Prefeitura com o aumento das multas de
trânsito e, assim, ajudar a pagar os subsídios às empresas de ônibus,
que, com o congelamento da tarifa, devem atingir no próximo ano a
impressionante quantia de R$ 1,65 bilhão.
Sim, as multas ajudarão a melhorar a
arrecadação da Prefeitura para que possa pagar pelo desatino de parte da
população de São Paulo que acha que não está pagando os R$ 0,20 que
deixaram de ser cobrados nas tarifas dos ônibus.
Isso é ruim? Por que? Pelo contrário,
é muito bom. A falta de senso de cidadania dos que teimam em invadir
com seus carros as faixas de ônibus, na melhor tradição do “jeitinho
brasileiro”. Eles têm mais é que pagar pela falta de civilidade a que se
dão.
Há um jeito muito fácil de não
ocorrer o “mal” que o editorial vê em aumentar a arrecadação da
Prefeitura de São Paulo graças aos que não respeitarem a lei: que a
respeitem. Dessa maneira, não serão multados. Agora, o sujeito viola a
lei de trânsito e a culpa é da Prefeitura?
Estima-se que os recursos provenientes das multas crescerão
22% em 2014, atingindo R$ 1,2 bilhão, um novo recorde. Nos primeiros
oito meses deste ano, dos 6,4 milhões de multas aplicadas aos motoristas
que circulam pela capital, 352,5 mil foram flagrantes de invasões em
corredores e faixas exclusivas de ônibus, registrados por um exército de
1,5 mil fiscais de trânsito da CET e mais 690 da São Paulo Transportes
(SPTrans).
Os donos dos 7 milhões de veículos da capital parecem não ter
importância. Eles seriam apenas pessoas egoístas que rejeitam o
transporte público. É como se não tivessem compromissos diários,
serviços a prestar e nenhuma relevância para a vida econômica e social
da cidade.
Ora, ora… Se os donos dos 7 milhões
de veículos – que não são 7 milhões de munícipes, mas muito menos, pouco
mais de 2 milhões em meio a 12 milhões de habitantes de São Paulo –
têm, sim, importância, a esmagadora maioria da população da cidade tem
muito mais, até porque reside mais longe e sofre mais com o transporte
público.
Todos, os com carro e os sem-carro,
têm importância. Todos têm compromissos diários, serviços a prestar e
relevância para a vida econômica e social da cidade. Quer dizer que
entre a relevância da maioria sem carro e a da minoria com carro deve-se
escolher a da minoria? Típico do Estadão…
Tanto é assim que, nas próximas semanas, aos marronzinhos se
somarão 200 novos radares para ajudar na batalha contra esses
paulistanos que não resistem à tentação de circular pelos corredores e
faixas de ônibus – espaços em grande parte vazios -, para tentar chegar a
tempo aos seus compromissos.
Ainda bem que serão instalados esses
200 novos radares para flagrarem a falta de civilidade desses pretensos
espertalhões que “não resistem à tentação de circular pelos corredores e
faixas de ônibus”. Se não resistem à tentação de violar a lei, que
paguem por isso.
Além disso, os “espaços vazios” que
as faixas de ônibus deixaram são o que garante a velocidade maior do
transporte público. Ou seja: o objetivo é deixar espaços vazios mesmo
para que os ônibus trafeguem em velocidade e levem para as bordas da
cidade essa população que se espremia durante horas para que donos de
carro pudessem trafegar com mais conforto.
Essa má vontade com o transporte individual prejudica a
cidade. Não se discute a necessidade de dar prioridade ao transporte
público e, no caso dos ônibus, de aumentar sua velocidade. Mas não é
preciso fazer isso criando dificuldades para os que usam o carro como
instrumento de trabalho. Especialmente para aqueles – como médicos e
enfermeiros, para citar dois exemplos – cuja profissão tem exigências
que o transporte público não consegue atender.
É muita cara-de-pau. Não há má
vontade com o transporte individual, há boa vontade com o transporte
coletivo. E como é que “não se discute dar prioridade ao transporte
coletivo” se o editorial está fazendo justamente isso, está discutindo a
prioridade que a Prefeitura está dando a esse tipo de transporte?
Se “não é preciso fazer isso criando
dificuldades para os que usam o carro como instrumento de trabalho”, que
o Estadão diga como pode ser feito.
E a profissão dos médicos e
enfermeiros – sendo que estes usam o transporte público, vale lembrar –
não requer regalias. Todos os que se locomovem pela cidade têm pressa.
Aliás, no momento em que se sabe que médicos optam por trabalhar perto
de suas casas, abandonando as periferias, o comentário do Estadão é
especialmente revoltante.
Portanto, em vez de tratar o transporte individual como
egoísta e elitista, é preciso estudar a fundo o papel que ele desempenha
na vida de grande parte da população. Quanto aos paulistanos que usam
ônibus, seus problemas são a falta de conforto, de itinerários que
atendam a suas necessidades e a lentidão.
Por isso, entre ficar espremidos em ônibus superlotados,
depois de longa espera nas filas dos pontos, e suportar os
congestionamentos, os que podem preferem esta última opção.
Ah, certo, “Os que podem”… E os que não podem? Que se danem, para que “os que podem” possam fugir do desconforto.
Ora, já não basta poder ficar
sentadinho no carro ouvindo rádio, frequentemente com ar-condicionado e
tantos outros confortos que um veículo particular proporciona? Que pelo
menos quem dispõe dessa regalia aceite que os que se espremem nos
coletivos possam fazer a viagem com rapidez.
A troca é muito justa: quem quer
conforto perde tempo e quem abre mão do conforto ganha tempo. É uma
questão de escolha. Ninguém está sendo obrigado a tirar o carro da
garagem.
No lugar de implantar, sem planejamento e a toque de caixa,
as faixas exclusivas que servirão de cenários para os próximos programas
eleitorais do PT na campanha para o governo do Estado, Haddad e Tatto
deveriam adotar um plano capaz de harmonizar a utilização de carros com o
transporte público, de acordo com as necessidades das várias regiões da
cidade.
“Sem planejamento”? Que história
essa? Sem planejamento uma pinoia. Se não tivesse havido planejamento as
faixas de ônibus não teriam melhorado tanto a velocidade do transporte
coletivo em São Paulo. Houve um aumento de 45% na velocidade dos ônibus.
Agora, só faltava uma administração
adotar uma medida que melhora a vida da população que a elegeu e não
poder, durante as eleições, mostrar o que fez de bom. Tucano até a alma,
partidário do elitismo de Serra e Kassab, que poderiam ter feito as
faixas de ônibus e optaram por não fazer, o jornal parece aquele juiz de
futebol que rouba apitando “perigo de gol”.
Antes de reduzir o espaço destinado aos carros para forçar
seus proprietários a eixa-los nas garagens, é preciso criar mais vagas
de estacionamento para eles, com a construção – há muito prometida e
nunca concretizada – de garagens subterrâneas. E seria bom também
retomar o plano de transporte do governo Marta Suplicy que deixava os
corredores apenas para os ônibus maiores. Os veículos de média e pequena
capacidade seriam os alimentadores dessas linhas-tronco.
Pois é, o Estadão quer que o poder
público continue incentivando o uso do transporte individual criando
mais vagas de estacionamento. Ou seja, quer agravar o problema.
Além disso, Marta nunca teve o plano
que o Estadão lhe atribui. O plano dela era justamente esse que Haddad
está implementando. Ela só não teve tempo de concluir o seu trabalho
porque esse jornal cara-de-pau sabotou sua administração do começo ao
fim.
Hoje, o que se vê são todos esses veículos, às vezes quase
vazios, disputando entre si aquele espaço. E muitos invadem as poucas
faixas destinadas aos carros para fugir do congestionamento nos
corredores e faixas.
O fecho desse editorial sem-vergonha é
talvez seu pior trecho. O jornal brada contra haver ônibus “às vezes
quase vazios”, como se isso fosse ruim. Primeiro que os ônibus estão
trafegando sem superlotação fora dos horários de pico e isso é ótimo, é
um incentivo para os “com carro” usarem o transporte público. Se o
fizerem, não haverá coletivos “quase vazios”.
É preciso, em suma, mais planejamento e menos demagogia.
O que é preciso mesmo é esse jornal
reacionário, elitista e intelectualmente desonesto entender que o
cidadão de maior poder aquisitivo não é melhor do que o de menor poder
aquisitivo. Um ônibus leva 50 vezes mais pessoas do que um carro
particular. Para o Estadão, um dos que defende vale 50 vezes mais do que
aqueles que despreza, ou seja, o povo.
http://www.blogdacidadania.com.br/2013/10/vergonhoso-editorial-do-estadao-sobre-faixas-de-onibus-em-sp/
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