“Rameira! Ponha-se daqui pra fora!”
O escritor Palmério Dória não poderia ter sido mais feliz ao iniciar o
best-seller “O Príncipe da Privataria” (Geração Editorial) com o relato
da expulsão da jornalista da Globo Miriam Dutra do gabinete do então
senador Fernando Henrique Cardoso, no início dos anos 1990, quando ele
se preparava para disputar a Presidência da República pela primeira vez.
Dória sabia que sua obra deveria mostrar, para começo de conversa, o
caráter de seu protagonista. E nada melhor para mostrar o caráter de um
homem do que uma situação em que é colocado diante de sua
responsabilidade na concepção de um filho.
FHC agiu da forma mais vil que um homem pode agir com uma mulher:
além de fugir da própria responsabilidade pela concepção de uma nova
vida, ainda humilhou aquela a quem, quando o desejo carnal falou mais
alto, por certo não tratou de “rameira” nem expulsou da alcova em que
foi inseminada.
A conduta reveladora de FHC, imortalizada por Dória, coaduna-se à
perfeição com o seu último artigo nos jornais O Estado de São Paulo e O
Globo, os quais lhe dão espaço todo início de mês. Seu texto revela,
acima da falta de caráter, um cinismo quase sobrenatural.
Se existe um político que não poderia criticar uso de dinheiro
público para comprar parlamentares, esse alguém é Fernando Henrique
Cardoso. O livro “Príncipe da Privataria” mostra, sem deixar dúvida (a
quem tiver uma réstia de honestidade intelectual), que, na pior das
hipóteses, o ex-presidente teve o domínio do fato da compra de votos de
parlamentares para que aprovassem a emenda constitucional que lhe
permitiu disputar a própria sucessão.
FHC não nega que votos tenham sido comprados – quem não souber disso,
que se informe. Já deu várias entrevistas em que reconhece que “alguém”
comprou deputados para que votassem a favor de sua reeleição. Até a
CNBB denunciou isso, à época – e antes da denúncia pela Folha de São
Paulo. Mas ele diz que “não sabia” de nada.
Ganha um exemplar de “O Príncipe da Privataria” quem postar aqui o
link de uma coluna, de um artigo ou de um editorial de algum grande meio
de comunicação em que o “não sabia” de FHC tenha sido ironizado como
foi, tantas vezes, o de Lula ao negar que soubesse do mensalão.
Nunca houve uma única prova material que tornasse inquestionável a
acusação ao PT de que “comprou” deputados para aprovar matérias de
interesse do governo Lula. Os membros do partido que hoje mofam em uma
masmorra qualquer no Planalto Central foram condenados pela
“verossimilhança” que ministros do STF viram na acusação.
Com a compra de votos para a reeleição de FHC, foi muito diferente.
Havia abundância de provas de que os votos foram comprados, sendo a
principal um conjunto de gravações de deputados governistas confessando
que foram corrompidos por 200 mil reais cada um para votarem a favor da
emenda da reeleição.
Era o tempo do engavetador-geral da República, o ex-procurador-geral
da República Geraldo Brindeiro, nomeado por FHC e que, ao longo de oito
anos, nunca incomodou o governo ao qual prestou serviços – infringindo a
lei, diga-se.
Isso não impediu que FHC escrevesse, nesse último artigo, acusações
aos adversários petistas de terem feito aquilo que ele diz que não fez,
mas que a teoria do domínio do fato, tal como foi usada pelo Supremo,
diria que só pode ter feito, pois não se imagina que alguém cometa um
crime para favorecer a outrem desinteressadamente e sem que o favorecido
saiba de nada.
E se algum defensor do tucano disser que, se é assim, Lula também
teria que “saber”, engana-se: o mensalão não beneficiaria o
ex-presidente petista pessoalmente, mas a compra de votos de FHC foi um
benefício pessoal para ele e só para ele, pois poderia ter feito como
Lula e elegido algum “poste” para continuar sua “obra”, mas seu projeto
de poder era pessoal.
Sobre o artigo de FHC em questão, no entanto, há pouco mais que
dizer. Sob o ridículo título “Sinais alarmantes”, apenas escancara seu
cinismo sobrenatural enquanto tenta construir um risco qualquer para a
democracia que haveria em seus adversários simplesmente fazerem
política.
O primeiro parágrafo dessa peça lamentável resume tudo:
“Finalmente fez-se justiça no
caso do mensalão. Escrevo sem júbilo: é triste ver na cadeia gente que
em outras épocas lutou com desprendimento. Estão presos ao lado de
outros que se dedicaram a encher os bolsos ou a pagar suas campanhas à
custa do dinheiro público”
Só esse parágrafo basta para ilustrar a falta de caráter de alguém
que, se tivesse ao menos um pingo de decência, trataria de se fechar em
copas, de não apontar o dedo para quem, no máximo – mesmo acedendo à
tese farsesca de que o PT compraria os próprios deputados –, pode ter
feito o que ele mesmo fez. Só que sem as provas que abundam contra si.
Mas o que esperar de um homem que, sob insultos pesados, expulsa a
mulher que inseminou ao ser comunicado por ela de que o ato que
praticaram gerou um fruto? A falta de caráter desse sujeito não
precisava desse artigo deplorável em que, além de “príncipe” da
roubalheira de patrimônio público, confirmou ser o imperador do cinismo.
Datafolha
Enquanto a mídia e o PSDB continuarem apostando no mensalão para
convencer os brasileiros a votarem como querem, o PT pode ficar
tranquilo. Só FHC e os barões da mídia seus amigos acreditam que alguém
dará bola à tese maluca de que só petistas merecem estar na cadeia.
Como diz o novo marqueteiro do PSDB – ao qual o partido e seu aparato
midiático teimam em não dar bola –, o mensalão não lhes dará um único
voto.
Só existe um meio de o PSDB ou qualquer outro impedir a reeleição de
Dilma Rousseff: há que convencer o eleitorado de que (1) sua vida vai
mal e de que (2) pode-se fazer melhor do que está sendo feito. Do
contrário, o conservadorismo brasileiro vai manter tudo como está.
http://www.blogdacidadania.com.br/2013/12/principe-da-privataria-e-imperador-do-cinismo/
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