Acostumado a ser acobertado pela mídia e pela Justiça, o PSDB tratou
de fazer um showzinho diante do agravamento do escândalo bilionário que
eclodiu contra o partido nos últimos meses. Com a cumplicidade do Jornal
Nacional, da Globo, os tucanos tentaram transformar uma tecnicalidade
em indício de que o dito “trensalão” não passaria de invenção do PT.
No final de novembro, os tucanos começaram a alardear que o inquérito
da Polícia Federal sobre licitações de metrô e trens de São Paulo
incluiria um documento forjado, uma carta anônima datada de junho de
2008.
A carta, endereçada à Siemens na Alemanha, denunciava pagamento de
propinas a “funcionários de governo”. Segundo os tucanos, o texto em
inglês não citava partidos, mas a tradução para o português constante da
denúncia do ministro da Justiça, José Eduardo Cardoso, à PF, conteria
trechos nos quais “funcionários” teriam virado “políticos do PSDB”.
Com base nessa distorção dos fatos, colunistas e até manchetes de
primeira página dos grandes jornais tentaram transformar todo o caso em
um novo “escândalo dos aloprados”, a suposta tentativa do PT paulista de
incriminar políticos tucanos durante as eleições de 2006.
Cardoso não tardou a responder. Em entrevista coletiva à imprensa e
depois em audiências no Congresso negou que os documentos em inglês e em
português fossem tradução uns dos outros. E meteu um processo nos
tucanos que o difamaram acusando-o de ter feito uma tradução infiel da
carta-denúncia.
Durante dias e dias, alguns parecem ter acreditado que seria possível
enterrar o caso todo apenas com base nesse factoide usado pelo PSDB com
a finalidade de desviar o foco das investigações, mas o caso é muito
mais sério do que pensavam os tucanos e a mídia.
A evidência das múltiplas tentativas do PSDB, de grupos de mídia
simpáticos ao partido e do Ministério Público Federal de São Paulo de
tentarem enterrar o escândalo dos trens foi o que levou o presidente
desse inquérito, o delegado Milton Fornazari Junior, da Delegacia de
Combate a Ilícitos Financeiros (Delefin), a recomendar o envio do
processo ao STF.
Fornazari diz, nos autos, que haveria “provas” de que “políticos
vinculados ao governo do Estado de São Paulo receberam propina de cinco
multinacionais por meio de lobistas”.
O envio do inquérito para o Supremo Tribunal Federal ocorreu na
quinta-feira (12) e surpreendeu a mídia e o PSDB. E mais, preocupou-os
seriamente, pois, fora da República de São Paulo, as condições de
“controlar” o andamento das investigações diminuem fortemente.
A ministra Rosa Weber será a relatora da denúncia e terá que decidir
se há indícios para abertura da investigação no Supremo. Em um momento
em que se amontoam as críticas no mundo jurídico à dureza do STF contra
petistas, o não reconhecimento por Weber de que o caso tem que ser
tratado naquela instância torna-se quase impossível.
A virtual impossibilidade de Weber enterrar o caso devolvendo-o a São
Paulo se dá em razão da imensa quantidade de provas materiais – com
recursos rastreados, números de contas bancárias em paraísos fiscais,
autodenúncia da Siemens etc.
A investigação foi parar no Supremo porque o nome do deputado federal
Arnaldo Jardim (PPS-SP) surgiu nas investigações. Como ele tem foro
privilegiado, as acusações têm que ocorrer no STF.
Além de Jardim, pelo menos três secretários do governo de Geraldo
Alckmin apareceram nas investigações: José Anibal (secretário de Energia
de São Paulo); Edson Aparecido dos Santos (secretário da Casa Civil do
governo de São Paulo) e Rodrigo Garcia (secretário de Desenvolvimento
Social de São Paulo). Os três são deputados federais licenciados.
Mas o que há nesse inquérito que pode transformar as eleições de 2014
nas mais difíceis que o PSDB já enfrentou? O partido, em aliança
explícita com a Globo e com a revista Veja – outros veículos foram bem
mais comedidos ao tentarem ajudar os tucanos –, tentaram reduzir um caso
que envolve bilhões de dólares a mera “armação do PT”.
Contudo, o tamanho da encrenca é tão grande que, sendo investigada
fora de São Paulo, ficará praticamente impossível abafá-la. Um breve
histórico do que está acontecendo sugere que o escândalo é muito grande
para ser contido.
Em 2008, a Siemens teve que desembolsar US$ 1,6 bilhão em multas
cobradas pelos governos americano e alemão de forma a se livrar da
acusação de que promovera o mais vasto esquema de corrupção já
descoberto no mundo.
Investigação do Departamento de Justiça dos Estados Unidos revelou
que a empresa fez pagamentos bilionários em contas de empresas fictícias
em paraísos fiscais para subornar funcionários públicos e políticos em
dezenas de países.
No período entre 2001 e 2007, a Siemens gastou US$ 1,4 bilhão em
propinas através de 4.283 pagamentos de suborno espalhados pelo mundo.
Venezuela, Argentina, Bangladesh, China, Israel, Nigéria e Brasil foram
alguns dos países em que a empresa corrompeu governos e políticos.
Notas fiscais falsas foram usadas para sustentar falsos contratos de
consultorias que nunca foram prestadas.
Paralelamente à Siemens, a empresa francesa Alstom também foi
flagrada operando pagamentos de propina. Como ambas atuam em áreas
congêneres, descobriu-se que as duas, entre outras, formavam cartéis
para faturar contratos públicos.
Tanto a Siemens quanto a Alstom pagavam propinas em contas secretas
em paraísos fiscais em nome de laranjas. Esses recursos eram liberados
sob a rubrica de “despesas úteis” após os executivos dessas empresas
descobrirem quem tinham que subornar para conseguir os contratos.
Tudo começava com a busca de lobistas que tinham acesso a burocratas e
políticos. Os lobistas, em outros países, não negociavam apenas com
funcionários públicos, mas, também, com políticos que governavam aquele
Estado ou aquele país e que haviam nomeado aqueles funcionários.
Por que, no Brasil, Alstom e Siemens operariam diferente?
O esquema funcionou assim em todas as partes que essas empresas
atuavam: para que o dinheiro chegasse a quem autorizava os contratos os
lobistas o recebiam da Siemens ou da Alstom em contas em paraísos
fiscais, ficavam com uma comissão e repassavam o resto aos políticos e
funcionários públicos que corrompiam.
Para disfarçar, Alstom e Siemens firmavam com os lobistas contratos
de “consultoria”. Uma tática altamente conhecida. A Siemens confessou ao
governo norte-americano ter fechado 2.700 contratos de “consultoria” ao
redor do mundo. Aqui no Brasil não foi diferente.
Ora, seria impossível fechar contratos dessa envergadura sem que o alto escalão dos governos estaduais notasse alguma coisa.
Devido à grosseria do esquema, no escândalo brasileiro a Polícia
Federal afirma haver “fartura” de provas – provas testemunhais, provas
bancárias e provas contratuais. Nas obras da linha 5 do metrô de São
Paulo, por exemplo, um único contrato chega a R$ 735 milhões em valores
atuais.
Durante o governo Covas (2000), a Siemens da Alemanha assinou
contratos de “consultoria” com os lobistas Arthur e Sérgio Teixeira.
Pelo contrato, receberiam comissão de 8%, ou US$ 216.800. Há prova de
que o dinheiro foi depositado nas contas do diretor de operações do
metrô de São Paulo, João Roberto Zaniboni, na Suíça. No total, ele
chegou a receber US$ 500 mil.
Esse é um entre vários funcionários do governo paulista que estão com
as contas bloqueadas por terem sido flagrados recebendo valores desse
porte.
Chega a ser ridículo quando vemos a mesma mídia que condenou petistas
em 2005 – logo que foram feitas as denúncias do mensalão – dizer agora
que “não se pode afirmar” que os políticos tucanos que nomearam esses
funcionários também receberam dinheiro.
Aliás, já há evidências consideradas “fortes” contra ao menos um
tucano: Robson Marinho, conselheiro do Tribunal de Contas do Estado de
São Paulo (TCE), fundador do PSDB, coordenador da campanha de Mário
Covas ao governo de São Paulo em 1994 e chefe da Casa Civil no governo
tucano.
Marinho chegou a ter US$ 1 milhão bloqueado na Suíça em 2009 enquanto
negava ter dinheiro no exterior e, simultaneamente, entrava com recurso
na Justiça suíça para impedir acesso das investigações às suas contas
bancárias em Genebra.
Segundo o Ministério Público suíço, o tucano Robson Marinho foi
subornado pela Alstom, quando era conselheiro do Tribunal de Contas do
Estado, que tem por obrigação analisar como o governo do Estado de São
Paulo gasta os impostos dos contribuintes.
Marinho considerou lícito um contrato de construção de estações de
energia do metrô firmado entre o governo Covas e a Alstom com a
Eletropaulo em 1998. A Justiça suíça enviou ao Brasil, entre outras
provas, carta manuscrita com as iniciais “RM”, como sendo de autoria do
intermediário entre a Alstom, um partido político não identificado, o
TCE e a Secretaria de Energia do governo do Estado.
Marinho teria recebido comissão de 7,5%.
O potencial explosivo desse caso está na denúncia da Justiça suíça.
Segundo reportagem recente da revista Época, “O mentor da propina nos
contratos da Alstom é o lobista José Amaro Pinto Ramos”, ligado ao
ex-ministro das Comunicações Sérgio Motta. Amaro se apresentava como
“assessor” do então presidente Fernando Henrique Cardoso.
Em breve, o STF terá que decidir, através da ministra Rosa Weber, se
irá investigar essas e muitas outras evidências contundentes contra o
PSDB de São Paulo. E isso logo após a corte ter promovido condenações de
expoentes do PT sob a teoria de que o que os subalternos deles fizeram
era responsabilidade dos seus superiores hierárquicos.
Um tratamento diferenciado para casos que só não são iguais porque o
caso que envolve o PSDB tem muito mais provas – inclusive materiais – e
envolve muito mais dinheiro fundamentará denúncia contra a Corte nas
instâncias de apelação internacionais, pois ficará evidente que o
Judiciário brasileiro promove linchamentos e acobertamentos políticos.
Em tese, o STF não cometerá o erro de agir com parcialidade tão
escancarada. Seria um suicídio, a prova final de que a Corte se tornou
um órgão partidarizado, o que iria expor seus membros inclusive a ações
penais, no futuro.
De tudo isso, portanto, pode-se concluir que, se a vida do PT – e,
acima deste, da presidente Dilma Rousseff – não será fácil em 2014, a do
PSDB deve se complicar muito mais. O PT já pagou o preço do mensalão e
já se sabe, através de inúmeras pesquisas, que o eleitorado está
separando uma coisa da outra.
Com o PSDB será diferente. Há quase dez anos esse partido acusa o PT
furiosamente de ser corrupto enquanto se apresenta como uma espécie de
vestal, acima de investigações ou meras suspeitas. Se não conseguirem
deter a investigação no STF, durante o processo eleitoral será
desencadeado um tsunami contra os tucanos. Um tsunami inédito.
http://www.blogdacidadania.com.br/2013/12/tucanos-enfrentarao-2014-com-escandalo-dos-trens-bombando/
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