Sempre digo que o primeiro passo de uma conspiração é tentar caracterizar como “teoria conspiratória” qualquer suspeita de que aquela conspiração existe. Se alguma coisa tem cara e cheiro de conspiração ela pode até não ser, mas descartar indícios de que é e se recusar a discuti-los é apenas outro indício de que a conspiração existe, pois quem não deve não teme.
Sob esse prisma, os eventos imediatamente anteriores e posteriores ao desfile de escolas de samba de São Paulo no último fim de semana sugerem uma baita conspiração que tem até motivo bem claro para ter existido.
Os ataques da Globo a uma escola de samba que ousou homenagear seu inimigo número 1 começaram no dia 21 de janeiro, quando a revista semanal Época publicou matéria que criticava a escolha do tema deste ano da Gaviões da Fiel.
Segundo a matéria, além de mestre-sala, porta-bandeira e baianas, a escola deveria levar “mensaleiros” para a avenida ao homenagear o ex-presidente Lula. Aliás, há denúncia de que o diretor de redação da revista, Hélio Gurovitz, teria interrompido as suas férias para alterar a reportagem da repórter Mariana Sanches, transformando seu trabalho em uma pesada diatribe contra a Gaviões e seu homenageado.
Em nota divulgada no dia seguinte, a escola de samba usou termos duros para se referir à matéria da edição de nº 714 da revista, cujo título foi “Cadê a Ala dos Mensaleiros?”. Usando frases como “má fé característica dos maus profissionais”, a Gaviões acusou a revista de “dar um tom tendencioso e de especulação” à matéria sobre seu enredo deste ano.
Estava comprada a briga com as Organizações Globo. Além de ousar homenagear aquele que o império dos Marinho trata como um criminoso – apesar de ser o político mais popular e mais respeitado da história brasileira sob qualquer critério –, a Gaviões ainda ousou responder aos insultos que sofreu.
Se para caracterizar uma conspiração se requer um motivo, ei-lo.
A partir daí, começam a se amontoar indícios de que a Globo pode ter usado a sua indiscutível influência e ascendência sobre os desfiles de Carnaval de São Paulo ou do Rio de Janeiro – que deriva de ser detentora dos direitos de veiculação desses desfiles – para punir a escola de samba insolente que ousou desafiá-la.
Não sei se todos sabem, mas o processo de escolha do júri que julga o desempenho das escolas de samba paulistas foi mudado em 2012. A partir deste ano, A Liga Independente das Escolas de Samba de São Paulo abriu concurso público para seleção de jurados, o que desencadeou suspeitas de várias escolas.
Mas não fica por aí. O vice-presidente da Vai-Vai, Renato Maluf, contou que a Liga das Escolas de Samba de São Paulo enviou um e-mail às agremiações na quinta-feira passada avisando que dois jurados (de samba-enredo e evolução) seriam mudados, o que gerou discussão acalorada entre os presidentes das escolas. Além disso, Maluf também falou sobre a suspeita de que a Mocidade Alegre entrou na avenida com menos de dois mil componentes (contrariando regulamento), mas isso não foi considerado na ata.
Então chegamos a mais um indício para lá de estranho. Assisti a todos os desfiles paulistas. Mesmo não sendo especialista, percebi que o ponto alto do desfile da Gaviões foi justamente a parte em que dezenas de integrantes fantasiados como Lulas operários despiram os macacões e passaram a desfilar de terno e gravata, caracterizados, agora, como presidentes da República.
A evolução da Gaviões não se deixou atrapalhar pela complicada troca de roupa dos “Lulas”. A escola cumpriu rigorosamente o tempo, evoluiu sem qualquer problema, mas recebeu uma nota baixíssima da jurada substituta, incumbida justamente de avaliar a… Evolução das escolas (!).
Segundo a Gaviões, a nota 8,9 que recebeu da jurada Mary Dana só seria possível se a escola estivesse “se arrastando” na avenida. E o que é mais intrigante: a jurada substituta deu à mesma Gaviões a nota mais baixa de todas, apesar de não haver qualquer explicação para tanto. O vídeo abaixo comprova isso.
Por fim, uma explicação sobre por que não é digerível uma sétima colocação para uma apresentação como a da Gaviões da Fiel, pois a escola foi agraciada, neste ano, com o prêmio “Troféu Nota 10” pelo melhor Enredo.
Esse prêmio foi criado pelo jornal Diário de S. Paulo para os grandes destaques dos desfiles das escolas de samba do carnaval paulista. O troféu é subdivido em várias categorias, que representam diversos setores de uma escola de samba. A escolha é feita por jurados escolhidos pelo jornal. O prêmio em tela está em sua décima edição.
Ou seja: no mínimo, a Gaviões não foi tão mal assim…
Aí chegamos ao ponto da baderna promovida por alguns torcedores de várias escolas, mas que acabou recaindo exclusivamente sobre a Gaviões justamente por ação do noticiário da mesma Globo que publicou, na sua revista Época, a tal diatribe contra a agremiação pela ousadia de homenagear seu maior desafeto.
Era tão óbvio que estava armado o cenário para acontecer aquele bafafá que este blog chegou a publicar, dias antes da conturbada apuração, post que avisava que as injunções políticas que a Globo havia fomentado contra a Gaviões poderiam gerar o que de fato acabou ocorrendo.
Abaixo, o profético parágrafo final do post Desfile de escolas de samba de SP pode sofrer interferência política, publicado no último sábado (19).
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A cada Carnaval, surgem acusações de que a Globo interfere no resultado das disputas de escolas de samba. A pontuação pífia da Gaviões que a emissora atribui ao público, é estranha. A escolha da vencedora em S. Paulo pode virar uma guerra, este ano.
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A cada Carnaval, surgem acusações de que a Globo interfere no resultado das disputas de escolas de samba. A pontuação pífia da Gaviões que a emissora atribui ao público, é estranha. A escolha da vencedora em S. Paulo pode virar uma guerra, este ano.
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Era óbvio que os torcedores da Gaviões já chegariam ao Carnaval deste ano sob o clima que a Globo impôs através da sua revista. Era óbvio que qualquer estranheza que o processo de apuração gerasse desencadearia o que acabou sendo desencadeado.
Era óbvio que os torcedores da Gaviões já chegariam ao Carnaval deste ano sob o clima que a Globo impôs através da sua revista. Era óbvio que qualquer estranheza que o processo de apuração gerasse desencadearia o que acabou sendo desencadeado.
Vale dizer que ninguém se incomodaria se a Gaviões não fosse a vencedora do desfile. O que se questiona é o péssimo desempenho que a escola teve entre os jurados e que contrastou fortemente com o seu exuberante desempenho na avenida.
Agora, para a Globo dizer que venceu, que acabou com o carnaval da ousada Gaviões, falta muito. Apesar de esse aparato midiático ter criminalizado a escola em sua programação, apesar de ter produzido mais uma associação entre Lula e a ilegalidade, penso que comprou briga com uma torcida imensa.
Será que a Globo venceu mesmo?
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