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Reportagem
de capa da revista Istoé conta que, a partir de documentos da Siemens,
empresa integrante do cartel que drenou recursos do Metrô e trens de São
Paulo, o Cade e o Ministério Público concluíram que os cofres paulistas
foram lesados em pelo menos R$ 425 milhões pelo esquema montado por
empresas da área de transporte sobre trilhos para vencer e lucrar com
licitações públicas durante os sucessivos governos do PSDB nos últimos
20 anos. Leia:
Ao analisar documentos
da Siemens, empresa integrante do cartel que drenou recursos do Metrô e
trens de São Paulo, o Cade e o MP concluíram que os cofres paulistas
foram lesados em pelo menos R$ 425 milhões
Alan Rodrigues, Pedro Marcondes de Moura e Sérgio Pardellas
Na última semana, ISTOÉ
publicou documentos inéditos e trouxe à tona o depoimento voluntário de
um ex-funcionário da multinacional alemã Siemens ao Ministério Público.
Segundo as revelações, o esquema montado por empresas da área de
transporte sobre trilhos em São Paulo para vencer e lucrar com
licitações públicas durante os sucessivos governos do PSDB nos últimos
20 anos contou com a participação de autoridades e servidores públicos e
abasteceu um propinoduto milionário que desviou dinheiro das obras para
políticos tucanos. Toda a documentação, inclusive um relatório do que
foi revelado pelo ex-funcionário da empresa alemã, está em poder do
Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), para quem a Siemens –
ré confessa por formação de cartel – vem denunciando desde maio de 2012
as falcatruas no Metrô e nos trens paulistas, em troca de imunidade
civil e criminal para si e seus executivos. Até semana passada, porém,
não se sabia quão rentável era este cartel.
Ao se aprofundarem, nos
últimos dias, na análise da papelada e depoimentos colhidos até agora,
integrantes do Cade e do Ministério Público se surpreenderam com a
quantidade de irregularidades encontradas nos acordos firmados entre os
governos tucanos de São Paulo e as companhias encarregadas da manutenção
e aquisição de trens e da construção de linhas do Metrô e de trens. Uma
das autoridades envolvidas na investigação chegou a se referir ao
esquema como uma fabulosa história de achaque aos cofres públicos, num
enredo formado por pessoas-chaves da administração – entre eles
diretores do metrô e da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos
(CPTM) –, com participação especial de políticos do PSDB, os principais
beneficiários da tramoia. Durante a apuração, ficou evidente que o
desenlace dessa trama é amargo para os contribuintes paulistas. A
investigação revela que o cartel superfaturou cada obra em 30%. É o
mesmo que dizer que os governantes tucanos jogaram nos trilhos R$ 3 de
cada R$ 10 desembolsado com o dinheiro arrecadado dos impostos. Foram
analisados 16 contratos correspondentes a seis projetos. De acordo com o
MP e o Cade, os prejuízos aos cofres públicos somente nesses negócios
chegaram a RS 425,1 milhões. Os valores, dizem fontes ligadas à
investigação ouvidas por ISTOÉ, ainda devem se ampliar com o
detalhamento de outros certames vencidos em São Paulo pelas empresas
integrantes do cartel nesses e em outros projetos.
Entre os contratos em
que o Cade detectou flagrante sobrepreço está o de fornecimento e
instalação de sistemas para transporte sobre trilhos da fase 1 da Linha 5
Lilás do metrô paulista. A licitação foi vencida pelo consórcio
Sistrem, formado pela empresa francesa Alstom, pela alemã Siemens
juntamente com a ADtranz (da canadense Bombardier) e a espanhola CAF. Os
serviços foram orçados em R$ 615 milhões. De acordo com testemunhos
oferecidos ao Cade e ao Ministério Público, esse contrato rendeu uma
comissão de 7,5% a políticos do PSDB e dirigentes da estatal. Isso
significa algo em torno de R$ 46 milhões só em propina. "A Alstom
coordenou um grande acordo entre várias empresas, possibilitando dessa
forma um superfaturamento do projeto", revelou um funcionário da Siemens
ao MP. Antes da licitação, a Alstom, a ADtranz, a CAF, a Siemens, a
TTrans e a Mitsui definiram a estratégia para obter o maior lucro
possível. As companhias que se associaram para a prática criminosa são
as principais detentoras da tecnologia dos serviços contratados.
O responsável por
estabelecer o escopo de fornecimento e os preços a serem praticados
pelas empresas nesse contrato era o executivo Masao Suzuki, da Mitsui.
Sua empresa, no entanto, não foi a principal beneficiária do certame.
Quem ficou com a maior parte dos valores recebidos no contrato da fase 1
da Linha 5 Lilás do Metrô paulista foi a Alstom, que comandou a ação do
cartel durante a licitação. Mas todas as participantes entraram no
caixa da propina. Cada empresa tinha sua própria forma de pagar a
comissão combinada com integrantes do PSDB paulista, segundo relato do
delator e ex-funcionário da Siemens revelado por ISTOÉ em sua última
edição. Nesse contrato específico, a multinacional francesa Alstom e a
alemã Siemens recorreram à consultoria dos lobistas Arthur Teixeira e
Sérgio Teixeira. Documentos apresentados por ISTOÉ na semana passada
mostraram que eles operam por meio de duas offshores localizadas no
Uruguai, a Leraway Consulting S/A e Gantown Consulting S/A. Para não
deixar rastro do suborno, ambos também se valem de contas em bancos na
Suíça, de acordo a investigação.
No contrato da Linha 2
do Metrô, o superfaturamento identificado até agora causou um prejuízo
estimado em R$ 67,5 milhões ao erário paulista. As licitações
investigadas foram vencidas pela dupla Alstom/Siemens e pelo consórcio
Metrosist, do qual a Alstom também fez parte. O contrato executado
previa a prestação de serviços de engenharia, o fornecimento, a montagem
e a instalação de sistemas destinados à extensão oeste da Linha 2
Verde. Orçado inicialmente em R$ 81,7 milhões, só esse contrato recebeu
13 reajustes desde que foi assinado, em outubro de 1997. As
multinacionais francesa e alemã ficaram responsáveis pelo projeto
executivo para fornecimento e implantação de sistemas para o trecho Ana
Rosa/ Ipiranga. A Asltom e a Siemens receberam pelo menos R$ 143,6
milhões para executar esse serviço.
O sobrepreço de 30% foi
estabelecido também em contratos celebrados entre as empresas
pertencentes ao cartel e à estatal paulista CPTM. Entre eles, o firmado
em 2002 para prestação de serviços de manutenção preventiva e corretiva
de dez trens da série 3000. A Siemens ganhou o certame por um valor
original de R$ 33,7 milhões. Em seguida, o conglomerado alemão
subcontratou a MGE Transportes para serviços que nunca foram realizados.
A MGE, na verdade, serviu de ponte para que a Siemens pudesse efetuar o
pagamento da propina de 5% acertada com autoridades e dirigentes do
Metrô e da CPTM. O dinheiro da comissão – cerca de R$ 1,7 milhão só
nessa negociata, segundo os investigadores – mais uma vez tinha como
destino final a alta cúpula da estatal e políticos ligados ao PSDB. A
propina seria distribuída, segundo depoimento ao Cade ao qual ISTOÉ teve
acesso, pelo diretor da CPTM, Luiz Lavorente. Além da MGE, a Siemens
também recorreu à companhia japonesa Mitsui para intermediar pagamentos
de propina em outras transações. O que mais uma vez demonstra o quão
próxima eram as relações das empresas do cartel que, na teoria, deveriam
concorrer entre si pelos milionários contratos públicos no setor de
transportes sobre trilhos. O resultado da parceria criminosa entre as
gigantes do setor pareceu claro em outros 12 contratos celebrados com a
CPTM referentes às manutenções dos trens das séries 2000 e 2100 e o
Projeto Boa Viagem, que já foram analisados pelo CADE. Neles, foi
contabilizado um sobrepreço de aproximadamente R$ 163 milhões.
Não é por acaso que as
autoridades responsáveis por investigar o caso referem-se ao esquema dos
governos do PSDB em São Paulo como uma "fabulosa história". O
superfaturamento constatado nos contratos de serviços e oferta de
produtos às estatais paulistanas Metrô e a Companhia Paulista de Trens
Metropolitanos [CPTM] supera até mesmo os índices médios calculados
internacionalmente durante a prática deste crime. Cálculos da
Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico – OCDE, por
exemplo, apontam que os cartéis ocasionam um prejuízo aos cofres
públicos de 10% a 20%. No caso destes 16 contratos, a combinação de
preços e direcionamentos realizados pelas companhias participantes da
prática criminosa levaram a um surpreendente rombo de 30% aos cofres
paulistas.
Diante das denúncias, na
última semana o PT e outros partidos oposicionistas em São Paulo
passaram a se movimentar para tentar aprovar a instalação de uma CPI. "O
governador Geraldo Alckmin diz querer que as denúncias do Metrô e da
CPTM sejam apuradas. Então, que oriente a sua bancada a protocolar o
pedido de CPI, pelo menos, desta vez", propôs o líder do PT na
Assembleia paulista, Luiz Cláudio Marcolino. "É flagrante que os
contratos precisam ser revisados. Temos de ter transparência com o
dinheiro público independente de partido", diz ele. Caso a bancada
estadual do PT não consiga aprovar o pedido, por ter minoria, a sigla
tentará abrir uma investigação na Câmara Federal. "Não podemos deixar um
assunto desta gravidade sem esclarecimentos. Ainda mais quando se trato
de acusações tão contundentes de desvios de verbas públicas", afirmou o
deputado Devanir Ribeiro (PT-SP). O que se sabe até agora já é
suficiente para ensejar um inquérito. Afinal, trata-se de um desvio
milionário de uma das principais obras da cidade mais populosa do País e
onde se concentra o maior orçamento nacional. Se investigada a fundo, a
história do achaque de 30% aos cofres públicos pode trazer ainda mais
revelações fabulosas.
Queima de arquivo
Uma pasta amarela com
cerca de 200 páginas guardada na 1ª Vara Criminal do Fórum da cidade de
Itu, interior paulista, expõe um lado ainda mais sombrio das
investigações que apuram o desvio milionário das obras do metrô e trens
metropolitanos durante governos do PSDB em São Paulo nos últimos 20
anos. Trata-se do processo judicial 9900.98.2012 que investiga um
incêndio criminoso que consumiu durante cinco horas 15.339 caixas de
documentos e 3.001 tubos de desenhos técnicos. A papelada fazia parte
dos arquivos do metrô armazenados havia três décadas. Entre os papeis
que viraram cinzas estão contratos assinados entre 1977 e 2011, laudos
técnicos, processos de contratação, de incidentes, propostas, empenhos,
além de relatórios de acompanhamento de contratos de 1968 até 2009. Sob
segredo de Justiça, a investigação que poderá ser reaberta pelo
Ministério Público, diante das novas revelações sobre o caso feitas por
ISTOÉ, acrescenta novos ingredientes às já contundentes denúncias feitas
ao Cade pelos empresários da Siemens a respeito do escândalo do metrô
paulista. Afinal, a ação dos bandidos pode ter acobertado a distribuição
de propina, superfaturamento das obras, serviços e a compra e
manutenção de equipamentos para o metrô paulista.
Segundo o processo, na
madrugada do dia 9 de julho do ano passado, nove homens encapuzados e
armados invadiram o galpão da empresa PA Arquivos Ltda, na cidade de
Itu, distante 110 km da capital paulista, renderam os dois vigias,
roubaram 10 computadores usados, espalharam gasolina pelo prédio de 5
mil m² e atearam fogo. Não sobrou nada. Quatro meses depois de lavrado o
boletim de ocorrência, nº 1435/2012, a polícia paulista concluiu que o
incêndio não passou de um crime comum. "As investigações não deram em
nada", admite a delegada de Policia Civil Milena, que insistiu em se
identificar apenas pelo primeiro nome. "Os homens estavam encapuzados e
não foram identificados", diz a policial. Investigado basicamente como
sumiço de papéis velhos, o incêndio agora ganha ares de queima de
arquivo. O incidente ocorreu 50 dias depois de entrar em vigor a Lei do
Acesso à Informação, que obriga os órgãos públicos a fornecerem cópias a
quem solicitar de qualquer documento que não seja coberto por sigilo
legal, e quatro meses depois de começarem as negociações entre o Cade e a
Siemens para a assinatura do acordo de leniência, que vem denunciando
as falcatruas no metrô e trens paulistas. "Não podemos descartar que a
intenção desse crime era esconder provas da corrupção", entende o
deputado Luiz Cláudio Marcolino, líder do PT na Assembleia Legislativa
do Estado.
Além das circunstâncias
mais do que suspeitas do incêndio, documentos oficiais do governo,
elaborados pela gerência de Auditoria e Segurança da Informação (GAD),
nº 360, em 19 de setembro passado, deixam claro que o galpão para onde
foi levado todo o arquivo do metrô não tinha as mínimas condições para a
guarda do material. Cravado em plena zona rural de Itu, entre uma
criação de coelhos e um pasto com cocheiras de gado, o galpão onde
estavam armazenados os documentos não tinha qualquer segurança. Poderia
ser facilmente acessado pelas laterais e fundos da construção.
De acordo com os
documentos aos quais ISTOÉ teve acesso, o governo estadual sabia
exatamente da precariedade da construção quando transferiu os arquivos
para o local. O relatório de auditoria afirma que em 20 de abril de 2012
- portanto, três dias depois da assinatura do contrato entre a PA
Arquivos e o governo de Geraldo Alckmin - o galpão permanecia em obras e
"a empresa não estava preparada para receber as caixas do Metrô". A
comunicação interna do governo diz mais. Segundo o laudo técnico do GAD,
"a empresa não possuía instalações adequadas para garantir a
preservação do acervo documental". Não havia sequer a climatização do
ambiente, item fundamental para serviços deste tipo.
O prédio foi incendiado
poucos dias depois da migração do material para o espaço. "Não quero
falar sobre esse crime", disse um dos proprietários da empresa, na época
do incêndio, Carlos Ulderico Botelho. "Briguei com o meu sócio, sai da
sociedade e tomei muito prejuízo. Esse incêndio foi estranho. Por isso,
prefiro ficar em silêncio". Outra excentricidade do crime é que o fato
só foi confirmado oficialmente pelo governo seis meses depois do
ocorrido. Em 16 páginas do Diário do Diário Oficial, falou-se em
"sumiço" da papelada. Logo depois da divulgação do sinistro, o deputado
estadual do PT, Simão Pedro, hoje secretário de Serviços da Prefeitura
de São Paulo, representou contra o Governo do Estado no Ministério
Público Estadual. "Acredita-se que os bandidos tenham provocado o
incêndio devido o lugar abrigar vários documentos". Para o parlamentar,
"esse fato sairia da hipótese de crime de roubo com o agravante de
causar incêndio, para outro crime, de deliberada destruição de
documentos públicos", disse Simão, em dezembro passado. Procurados por
ISTOÉ, dirigentes do Metrô de SP não quiseram se posicionar.
http://tudo-em-cima.blogspot.com.br/2013/07/corrupcao-tucana-superfaturamento-de-r.html
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