Na última quarta-feira, o IBGE divulgou os resultados da sua Pesquisa
Mensal do Emprego (PME) e, apesar de trazer boas novidades, foi
apresentada pela mídia, a partir dali, como sendo ruim por o desemprego
de junho deste ano ter sido 0,2 ponto percentual maior do que no mesmo
mês do ano passado.
Neste momento político em que os bons níveis de emprego e renda
constituem o que impede Dilma Rousseff de perder ainda mais
popularidade, essa distorção dos fatos não pode passar batida e, nesse
aspecto, o governo viu a distorção sendo feita e, como de costume, não
contestou.
No sentido de fazer a sua parte no contraponto à desinformação, o
Blog foi ouvir um dos economistas mais importantes do Brasil, o
ex-presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) doutor
Marcio Pochmann.
Antes da entrevista, porém, alguns dados sobre o entrevistado.
Formou-se em Economia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul
(UFRGS) em 1984. Entre 1985 e 1988 concluiu a sua pós-graduação em
Ciências Políticas e foi supervisor do Escritório Regional do
Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos
(Dieese) no Distrito Federal, além de docente na Universidade Católica
de Brasília.
Em 1989, mudou-se para o Estado de São Paulo, onde iniciou seu
doutorado – concluído em 1993 – em Ciência Econômica na Universidade
Estadual de Campinas (Unicamp), tornando-se pesquisador do Centro de
Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho (Cesit), do qual seria
diretor-executivo anos mais tarde, assim como membro do corpo docente da
Unicamp.
Foi, ainda, pesquisador visitante em universidades da França, da
Itália e da Inglaterra. Fez pós-doutorado nos temas de relações de
trabalho e políticas para juventude e atuou como consultor no Serviço
Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), bem como na
Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) e no Dieese,
entre outras instituições nacionais.
No plano internacional, foi consultor em diferentes organismos
multilaterais das Nações Unidas, como a Organização Internacional do
Trabalho (OIT), o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) e a
Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal).
De 2001 a 2004, em São Paulo, Pochmann dirigiu a Secretaria Municipal
do Desenvolvimento, Trabalho e Solidariedade do governo da prefeita
Marta Suplicy. A partir de 2007, passou a exercer a presidência do
Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), em Brasília, cujo
comando deixou no ano passado para disputar a eleição para prefeito de
Campinas, na qual foi derrotado.
Na entrevista a seguir, Pochmann fala sobre economia e política e deixa ver expressiva confiança no país.
*
Blog da Cidadania – Doutor Marcio Pochmann, na
quarta-feira foram divulgados os dados da Pesquisa Mensal do Emprego
(PME), do IBGE, referentes a junho último e, em relação a junho de 2012,
o desemprego subiu de 5,8% para 6%, correto?
Márcio Pochmann – O IBGE realiza essa pesquisa em
seis regiões metropolitanas, que representam um terço do Brasil, sobre o
mercado de Trabalho. Mas, ainda assim, resume-se a regiões
metropolitanas.
A informação relativa ao desemprego, em termos nacionais, é oferecida
pelo IBGE apenas uma vez ao ano, na Pesquisa Nacional por Amostra de
Domicílios (PNAD), que é realizada no mês de setembro e divulgada sempre
com um ano de defasagem.
Essa informação da PME de junho revela uma oscilação no mercado de
trabalho que é sazonal, tendo em vista que no primeiro semestre de cada
ano o desemprego é, em geral, superior ao do segundo semestre, quando a
atividade econômica é mais acelerada.
Quem estuda o mercado de trabalho sabe, portanto, que esse resultado a
que você se refere é sazonal e não apresenta nenhuma novidade.
Blog da Cidadania – No contexto em que o nível de
crescimento do PIB ou a inflação vêm sendo tratados pelo noticiário
econômico como sinais de que a economia está afundando, a impressão que
se tem é a de que, agora, o desemprego pode se juntar a esses outros
“cavalos-de-batalha”.
Ontem (25.7), editorial da Folha de São Paulo intitulado “Mudança de
sinal” diz que essa “alta” constitui “Mais um sinal de esgotamento da
política econômica do governo Dilma”. O senhor acha que é cabível uma
conclusão como essa por conta de uma alta de 0,2% no desemprego de junho
deste ano em relação a junho do ano passado?
Marcio Pochmann – A prática de terrorismo midiático
não é uma novidade no Brasil. Se nós voltássemos no tempo e tivéssemos a
oportunidade de analisar as manchetes de jornal de 1953, 1954 ou de
1963, 1964, possivelmente encontraríamos similitudes em relação às
notícias econômicas de hoje.
Não há, a meu modo de ver, nada que possa apontar para um sinal –
seja da inflação, seja do desemprego – comparável à crítica situação que
vive os Estados Unidos, que vive a Europa, os quais têm, inclusive,
adotado políticas econômicas que o Brasil adotou nos anos 1990 com
resultados extremamente desfavoráveis ao conjunto da população.
Essa prática de terrorismo vem sendo usada, recorrentemente, desde a
virada do ano passado para este ano. O “descontrole inflacionário” no
Brasil foi apresentado como uma verdade absoluta.
De fato tivemos uma oscilação que acelerou a inflação por causa da
safra agrícola e, como se vê, esse fenômeno vai sendo dissipado. Neste
momento, há queda da taxa de inflação e, possivelmente, o Brasil vai
fechar este ano – como aconteceu nos últimos dez anos – com ela dentro
da meta estabelecida pelo Banco Central.
Se tomássemos como referência o que ocorreu nos anos de 2000, 2001,
2002, perceberíamos que, naqueles três anos, em nenhum deles a inflação
ficou dentro da meta do Banco Central e não houve, no meu modo de ver,
nenhuma manifestação midiática comparável ao que estamos vendo hoje.
Então há, de certa maneira, um terrorismo. Como hoje a inflação não
se apresenta em uma trajetória de aceleração e, sim, de queda, então a
nova temática passa a ser o desemprego.
O Brasil não vai crescer tanto quanto deveria, mas vai crescer mais
do que no ano passado e, portanto, é muito difícil entender que nós
tenhamos neste ano de 2013 um desempenho pior do que em 2012, pois se a
economia vai crescer mais, ampliam-se os postos de trabalho.
Blog da Cidadania – E o nível de emprego crescerá em
cima de um patamar alto. A economia brasileira gira hoje em torno de
cinco trilhões de reais. Não é isso, doutor Marcio?
Marcio Pochmann – É isso mesmo. A economia
brasileira encontra-se hoje entre as sete maiores economias do mundo. E o
ritmo de expansão que o Brasil está conseguindo ter está ocorrendo em
meio a um cenário internacional muito desfavorável.
Perceba que a China, que crescia 10, 11 por cento ao ano, está
crescendo 6, 7 por cento ao ano. A Índia, a Rússia, os chamados
“países-baleia”, também diminuíram o ritmo de crescimento.
Não é, portanto, um problema de ordem nacional, interna, mas uma
decorrência da realidade internacional em que os países ricos estão
acirrando a competição internacional e tornando difícil o manejo da
atividade econômica.
Há algumas semanas houve a necessidade de se fazer um alinhamento na
política monetária justamente porque o Banco Central dos Estados Unidos,
sem consultar ninguém, decidiu encerrar a sua política monetária
frouxa, o que indica uma subida de juros e, contiguamente, uma fuga de
dólares de todas as partes do mundo rumo àquele país.
Dessa forma, o Brasil, como todos os países mais importantes do
mundo, tiveram que fazer um realinhamento em suas políticas monetárias.
Então, o contexto internacional termina impondo decisões de política
econômica que não são aquelas mais favoráveis à expansão econômica.
Todavia, não há dúvida de que o Brasil tem um quadro muito diferente
do que hoje nós estamos observando em países ricos que estão convivendo
com aumento da pobreza, aumento do desemprego, aumento da desigualdade.
O Brasil está crescendo o que é possível crescer, mas com redução do desemprego, da pobreza e da desigualdade.
Blog da Cidadania – E aí, nesse momento, a gente lê
um editorial no maior jornal do país em que a primeira frase é a
seguinte: “São consistentes os sinais de deterioração da economia
brasileira”. O editorial se intitula “Mudança de sinal” e foi publicado
na Folha de São Paulo de 25 de julho de 2013.
Doutor Marcio: são consistentes os sinais de deterioração da economia brasileira?
Marcio Pochmann – Interpretações sempre dependem de
quem as define. Eu, particularmente, não vejo sinais nessa direção.
Infelizmente vamos ter um ano de crescimento menor do que imaginávamos,
mas nada que signifique mudança da trajetória dos últimos dez anos, que
tem sido uma trajetória de crescimento e distribuição de renda.
Não vai haver nada de trágico – a menos que surja uma hecatombe, e
estamos longe disso no mundo. Deveremos concluir este ano com o controle
da inflação, com crescimento econômico melhor do que no ano passado e
com indicadores sociais seguindo a trajetória comprovada dos últimos dez
anos.
Blog da Cidadania – O senhor acredita que essa
previsão de um segundo semestre melhor do que o primeiro possa sofrer
influência de fatores políticos como a promoção de protestos violentos
nas ruas, como os que vimos em junho, ou o senhor acha que a economia
brasileira não corre o risco de ser afetada por essa questão?
Marcio Pochmann – Não percebo que a economia possa
dar curso a um problema político de maior dimensão. Agora, o contrário,
que a política – ou a radicalização das manifestações – pode ter um
impacto na economia como um todo, evidentemente que isso é possível. Mas
exigiria um grau de movimentação que não me parece observável.
O que nós tivemos em junho foi um fenômeno importante que revela um
processo decorrente das próprias transformações que nós observamos nos
últimos dez anos. As pessoas foram à rua não para defender a volta de um
modelo econômico ultrapassado; as pessoas foram à rua para reafirmar
mais direitos. Não estão satisfeitas com o que estão obtendo e querem
avançar mais.
Portanto, vejo nessas manifestações um combustível para o Brasil
fazer mudanças mais significativas. Não me parece que possamos chegar a
uma conturbação econômica derivada das manifestações políticas.
Blog da Cidadania – Fala-se também, doutor Marcio,
em problema cambial. A conta corrente externa brasileira estaria
correndo risco de retornar ao desequilíbrio de outrora – leia-se durante
o governo Fernando Henrique Cardoso. Então, minha pergunta é se essa
questão cambial pode gerar algum problema maior ou se também nessa
questão há exagero.
Marcio Pochmann – Entendo que a política
macroeconômica precisa, sim, de ajustes e eles estão sendo feitos nos
últimos dois anos. Essa questão das contas externas, a questão dos
importados, os gastos de brasileiros com turismo no exterior, tudo isso
coloca uma situação que precisamos olhar com muito cuidado.
Mas é bom lembrar, também, que o Brasil tem – e não tinha no passado –
um colchão de proteção que são as reservas externas, o melhor remédio
para essa situação desconfortável das contas externas.
Com essa desvalorização que tem sido observada da nossa moeda, o
Brasil pode ter melhores condições competitivas nas exportações. É claro
que isso não é uma resposta imediata, mas espera-se, também, que a
economia mundial reaja e, assim, melhore as condições do comércio
internacional. Por fim, o país está fazendo um investimento em
infraestrutura que em algum momento irá abrir um ciclo de expansão na
economia de longa duração.
Evidentemente, haverá que fazer ajustes pontuais…
Blog da Cidadania – Que ajustes, doutor Marcio?
Marcio Pochmann – Entendo que, assim como a China
foi capaz de construir uma rede produtiva com os países do seu entorno,
precisaríamos avançar nesse sentido. A economia sul-americana tem no
Brasil a sua principal fonte de dinamismo. Haveria que explorar melhor
essa situação.
Além disso, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social
precisaria funcionar como uma espécie de Eximbank brasileiro [Nota do Editor: estrutura dedicada exclusivamente a financiar exportações e a produção destinada ao mercado exterior] e o Fundo Soberano [Nota do Editor:
fundo formado com recursos das reservas brasileiras para ser usado em
investimentos] deveria ser usado de uma forma mais agressiva, permitindo
ao Brasil ter maior presença em compra de empresas estrangeiras que
estão com o valor de suas ações muito baixo, assim como têm feito a
China, a Índia, a Suécia. Há oportunidades lá fora que o Brasil poderia
aproveitar melhor tendo tantas reservas.
Blog da Cidadania – Mudando um pouco de assunto. Por
que o senhor acha que a grande imprensa brasileira está tão pessimista e
difunde tanto esse seu pessimismo? Ela está equivocada ou sabe que
exagera, mas tem algum outro objetivo?
Marcio Pochmann – Entendo que há um aspecto
estrutural em relação ao comportamento da mídia em geral. Isso porque
nos últimos dez anos nós tivemos uma ascensão econômica com o surgimento
de novos consumidores, mas isso praticamente em nada impactou em
consumo de mídia.
Os jornais, ou perderam ou não aumentaram o número de assinantes. Nós
não tivemos, portanto, um aumento significativo desses meios de
comunicação em relação à sua penetração. Isso gerou uma decisão desses
meios de comunicação de fazer uma espécie de “jornalismo militante”.
Lembra-me o tipo de jornalismo que se fazia na antiga esquerda, da
União Soviética. Você tinha o Pravda, onde sempre tinha que haver alguma
matéria contra o capitalismo porque estava-se escrevendo para
militantes. E a impressão que eu tenho é que a imprensa optou por
assegurar ou fidelizar os seus militantes leitores e escreve aquilo que
eles querem ler.
Só não sei até que ponto essa opção é exitosa, pois, se de fato a
população tivesse sua opinião formada pela mídia tradicional, não teria
havido vitória do presidente Lula e da presidenta Dilma.
O que a imprensa brasileira diz do Brasil, aliás, é muito diferente
do que diz a imprensa estrangeira. Então, esse paradoxo está associado a
interesses econômicos de nossa imprensa que estão sendo afetados pelo
conjunto da política econômica do governo.
Os principais financiadores privados da mídia privada são os bancos, o
sistema financeiro, enfim, o rentismo. E certamente o rentismo não está
nada feliz com o Brasil de hoje, em que se praticam taxas de juro, em
termos reais, muito rebaixadas.
O setor financeiro deixou de auferir, ano passado, alguma coisa em
torno de 100 milhões de reais somente com a queda da taxa de juros.
Então, obviamente que a imprensa reage a políticas que prejudicam
aqueles que a financiam…
Blog da Cidadania – Mas doutor Marcio, estamos
falando em perda de poder da mídia enquanto o alvo dessa campanha dela
de convencimento da população contra a política econômica e quem a
impõe, que é a presidente Dilma, perdeu popularidade em uma proporção
cataclísmica.
Não lhe parece que estamos em um momento novo? Até há poucos meses, a
mídia martelava, martelava o governo e sua política econômica e chegava
a pesquisa seguinte e o Lula estava cada vez mais forte, a Dilma estava
cada vez mais forte. De repente, tudo isso mudou.
A pesquisa CNI-Ibope, recém divulgada, mostra nova queda da
popularidade da presidente Dilma. Em entrevista que fiz na semana
passada com o diretor do instituto Vox Populi, doutor Marcos Coimbra,
ele disse que vê uma certa ressonância que começa a surgir dos ataques
da mídia ao governo entre a sociedade.
Marcio Pochmann – Não estou querendo menosprezar o
resultado das pesquisas, mas, no meu modo de ver, a perda de
popularidade não é exclusiva do governo federal. Houve queda
generalizada. Há um descrédito à política brasileira. Há efeitos no
Poder Executivo, no Poder Legislativo, no Poder Judiciário e nas esferas
federal, estadual e municipal…
Blog da Cidadania – Um momentinho, doutor Marcio.
Uma informação para ajudar a sua análise. A presidente Dilma foi quem
mais caiu. E houve até ganhos entre seus adversários. Políticos como
Marina Silva ganharam muito na disputa da Presidência, no último
período. Aécio Neves, como candidato, não perdeu nada. Dilma perdeu
muito como candidata.
Marcio Pochmann – O problema é que Dilma exerce o
governo. Então, é verdade que o governo perdeu apoio, mas também é
verdade que outros níveis de governo também perderam apoio. Então isso
também abre oportunidade para o PT, que não é governo em muitos Estados,
disputar eleição neles em melhores condições.
Em São Paulo, por exemplo, Alckmin perdeu muito apoio. Então há um
descrédito generalizado. E também é bom lembrar que as eleições em 2002,
2006 e 2010 foram sempre muito difíceis para o PT, que sempre venceu só
no segundo turno. Não houve nenhuma eleição fácil para Lula ou para
Dilma.
Blog da Cidadania – O senhor está otimista. É bom
ver otimismo, mas só lembrando que Alckmin perdeu 16 pontos – ele que
mandou a Polícia cometer aquela violência toda contra manifestantes – e
Dilma perdeu quase 30 pontos.
Mas é bom ver otimismo em alguém com o seu nível de conhecimento da
economia do país – e eu sempre digo que foi uma tragédia o senhor não
ter vencido a eleição em Campinas, ano passado, porque seria um luxo
para a cidade tê-lo como prefeito.
Quero agradecer muito, portanto, doutor Marcio, a atenção que o
senhor me deu e, contando com a sua anuência, pretendo procurá-lo outras
vezes para obter novas excelentes análises como essa que o senhor deu
aos leitores do Blog da Cidadania.
Marcio Pochmann – Eu é que agradeço a oportunidade. E
o parabenizo pelo seu trabalho, um trabalho corajoso, um trabalho de
buscar a verdade, que é o que nos liberta.
http://www.blogdacidadania.com.br/2013/07/ex-presidente-do-ipea-acusa-a-midia-de-terrorismo-economico-2/
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