A notícia dentro da notícia. O Jornal Nacional
da última quinta-feira levar ao ar uma reportagem com quase oito
minutos de duração tratando de escândalos envolvendo o PSDB de São Paulo
foi mais importante do que o conteúdo da matéria, do qual quem se interessa por política já soubera pelos jornais impressos, pelo rádio e pela internet durante o dia.
Abaixo, a matéria lida por Willian Bonner e Patrícia Poeta durante
longos minutos, possivelmente um recorde de veiculação de notícia incômoda
para o PSDB desde que o partido chegou ao poder federal, em 1995. É
longa, mas quem não assistiu deveria ao menos lê-la, pois é
surpreendente tanto pela duração quanto pelo conteúdo.
Prossigo depois do texto reproduzido a seguir.
—–
Jornal Nacional
Edição de 8 de agosto de 2013
Empresa francesa é suspeita de pagar propina a servidores de governos do PSDB
Uma empresa francesa é suspeita de pagar propina para servidores do Governo de São Paulo em troca de benefícios em contratos.
O caso foi em 1998. Foram indiciadas 11 pessoas, inclusive secretários de estado na época.
O pagamento de propina teria
ocorrido para viabilizar um contrato entre empresa francesa Alstom e a
então estatal de energia do estado de São Paulo, a EPTE.
De acordo com o inquérito da
Polícia Federal, a companhia de energia obteve um crédito no exterior,
junto ao banco francês Societe Generale, de R$ 72,7 milhões para
adquirir equipamentos do grupo Alstom.
A Polícia Federal ressalta que a
contratação do crédito milionário foi feita sem licitação. E só foi
possível porque a Alstom idealizou um esquema de pagamento de suborno
para funcionários públicos paulistas para recompensá-los pela aprovação
do contrato.
De acordo com o documento da
Polícia Federal, o esquema de pagamento usava pessoas com empresas no
exterior que recebiam recursos do grupo Alstom “para depois repassá-los
aos beneficiários finais, servidores públicos do governo do estado de
São Paulo, no primeiro semestre de 1998″.
Nessa época, o estado era governado por Mário Covas do PSDB. Uma das contas, segundo
o inquérito, era de Jorge Fagali Neto. A Polícia Federal diz que
naquela época, embora fosse diretor financeiro dos Correios, há
evidencias de que ele tinha livre trânsito por todas as secretarias de
Estado.
A Polícia Federal afirma ainda
que Jorge Fagali Neto integrou na distribuição de valores para agentes
públicos paulistas que ele mantinha conta não declarada no exterior e
que ocultou a origem de valores recebidos em virtude de pagamento de
propinas, também no exterior. Por isso, ele foi um dos indiciados.
Outra empresa no exterior utilizada para lavar o dinheiro da propina foi a MCA Uruguay.
De acordo com reportagem publicada nesta quinta-feira
(8) pelo jornal O Estado de São Paulo, “o dono da MCA, Romeu Pinto
Junior, confessou a PF ter servido de intermediário do pagamento de
propinas a funcionários públicos paulistas a mando da Alstom e por meio
da MCA”.
A Polícia Federal afirma que
Andrea Matarazzo, na qualidade de secretário de energia e presidente do
conselho administrativo da EPTE tinha o pleno conhecimento de tudo.
A investigação cita o
depoimento do então presidente da EPTE, Henrique Fingermann. Henrique
declarou que o secretário Andrea Matarazzo tinha conhecimento de todos
os procedimentos que levaram á assinatura do contrato de crédito com o
banco Societe Generale.
A Polícia Federal afirma que há
indícios de que Matarazzo tenha se beneficiado juntamente com o partido
político, o PSDB, das vantagens indevidas arquitetadas pelo grupo
Alstom.
E usa isso como argumento para
indiciá-lo por corrupção passiva. A Polícia Federal indiciou os dois
ex-secretários e mais onze pessoas em agosto do ano passado.
O inquérito foi encaminhado
para o Ministério Público Federal, mas a denúncia ficou parada porque o
MP considerou que era necessário obter mais informações sobre o caso.
O advogado que representa a
estatal EPTE afirma que não conseguiu ter acesso ao inquérito da Polícia
Federal e que o crime prescreveu.
“A prescrição conforme o Artid,
já ocorreu e portanto caberia um pedido de habeas corpus em favor dos
meus clientes”, afirmou o advogado Pedro Iokoi.
O Ministério Publico Federal considera que o crime de lavagem de dinheiro ainda não prescreveu.
O ex-secretário de energia de
São Paulo, Andréa Matarazzo, qualificou como um disparate ter seu nome
ligado a supostos favorecimentos. E disse que no período em que foi
secretário não teve conhecimento, não discutiu nem assinou qualquer
aditivo ou contrato que esteja sendo investigado.
Ele afirmou ainda que
as atas das reuniões podem comprovar o fato. Andrea Matarazzo
acrescentou que é com muita indignação e repulsa que vê seu nome
envolvido nas denúncias.
Segundo o ex-diretor dos
Correios, Jorge Fagali Neto, o Ministério Público nunca atribuiu a ele
qualquer ato de violação à lei penal e que não interferiu em nenhuma das
empresas citadas, nem celebrou contratos com a Alston ou a Siemens.
A empresa MCA Uruguay e o então presidente da EPTE, Henrique Fingermann, não foram localizados.
Em nota, o PSDB declarou que
repudia veementemente a tentativa de alguns setores de envolver, sem
provas, o partido e seus quadros em casos de corrupção. O PSDB disse
ainda que não compactua com a corrupção e espera que os casos sejam
investigados e, se houver, responsáveis que eles sejam punidos.
José Serra é citado em mensagens de diretores de empresa investigada por cartel
O jornal “Folha de São Paulo”
publicou nesta quinta-feira (8) uma reportagem, em que afirma que o
ex-governador de São Paulo, José Serra, do PSDB, foi citado em uma troca
de e-mails entre executivos da Siemens – uma das empresas investigadas
por suposta prática de formação de cartel. Segundo o jornal, uma
mensagem sugere que, para evitar atrasos, Serra teria se mostrado
favorável a um acordo entre concorrentes, em uma licitação para a venda
de trens ao estado. O ex-governador nega ter cometido irregularidade – e
afirma que a empresa Siemens não recebeu qualquer vantagem.
Em reportagem publicada nesta
quinta (8), o jornal Folha de S.Paulo reproduz um email enviado em 28 de
março de 2008 por Nelson Marchetti, funcionário da Siemens, para outros
colegas da empresa, entre eles o então presidente da Siemens no Brasil
Adilson Primo.
A mensagem do executivo da
Siemens relata uma conversa que ele diz ter tido com o então governador
de São Paulo, José Serra, e o secretário de Transportes Metropolitanos,
José Luiz Portella, durante um congresso, em Amsterdã, na Holanda.
O Jornal Nacional também teve
acesso ao mesmo e-mail, que diz: “Gostaria de confirmar que conversei
com o senhor Serra (governador do estado de São Paulo) e com o senhor
Portella (secretário de Tranportes Metropolitanos de São Paulo), em
Amsterdã, na semana passada, quando o senhor Serra confirmou que se a
proposta da CAF não tiver condições de ser qualificada a concorrência
será cancelada”.
Segundo a Folha de São Paulo,
na época, a Siemens disputava com a espanhola CAF uma licitação aberta
pela Companhia Paulista de Trens Metropolitanos para compra de trens, e
ameaçava questionar na Justiça o resultado da concorrência se não saísse
vitoriosa.
Na mensagem, o executivo relata
o motivo para um eventual cancelamento da concorrência. “A razão básica
para este posicionamento é a diferença de preço entre a CAF e o nosso.
Estamos pelo menos 15 % acima do preço líquido da CAF. Poderia ser um
risco para o governo do Sr. Serra”.
A “Folha de São Paulo” diz que o
ex-governador Serra sugeriu a Siemens um acordo para evitar que uma
disputa empresarial travasse a licitação da CPTM. No email do executivo
da Siemens, a proposta seria detalhada. “Eles mencionaram que
considerariam o fornecimento de algo em torno de 30% dos trens, por
parte da Siemens. A “Folha de São Paulo” sugere que “eles” seriam Serra e
o ex-secretário Portella.
O ex-governador José Serra
divulgou uma nota dizendo que resultado da licitação quebrou a hegemonia
de algumas empresas no mercado. Serra afirmou que a Siemens não foi
subcontratada pela CAF, a empresa vencedora da concorrência. Ou seja,
segundo Serra, a Siemens não obteve nenhuma recompensa. Ele afirmou que
chegou a dizer publicamente que se a concorrência fosse anulada não
contrataria a que estava em segundo lugar, pois a diferença de preços
era grande. E que faria nova concorrência. José Serra disse ainda que o
estado de São Paulo atuou contra a Siemens na Justiça, para garantir a
licitação vencida pela empresa espanhola. A nota também é assinada pelo
ex-secretário José Luiz Portella.
A empresa Siemens voltou a
declarar que tem cooperado com as autoridades, mas que não pode se
manifestar sobre investigações em andamento no Conselho Administrativo
de Defesa Econômica.
—–
Ufa! Tudo bem que não foi uma reportagem como aquela de cerca de
vinte minutos que uma única edição do mesmo Jornal Nacional apresentou
contra o PT durante o julgamento do mensalão após meses de longas
matérias como essa acima – ou maiores – sendo apresentadas todos os
dias, de segunda a sábado. Mas pode-se dizer que, à diferença do de
costume, todos os elementos que vão se avolumando contra os tucanos de
São Paulo foram apresentados corretamente. Ou quase…
É claro que o que pesa contra Serra não é ele ter interferido numa
concorrência em favor de um dos concorrentes a fim de “evitar atrasos”. O
que parece é que ele interferiu no processo instruindo concorrentes a
“se acertarem”, chegando a avisar a um deles de que seu preço estava 15%
mais alto que o do outro e isso é uma ilegalidade que macula o próprio
princípio da concorrência, que deveria justamente evitar acertos como
esse em busca dos menores preços para o erário público.
Todavia, como ainda não há provas de que isso ocorreu, vá lá que o
Jornal Nacional divulgue a explicação de Serra sem deixar muito claro
que essa é só a versão dele, diferente do que as investigações sugerem.
Enfim, a matéria não foi má. Até se pode admitir a cautela usada em
nome da presunção da inocência a que qualquer um – inclusive os
políticos – tem direito.
Porém, algo ficou de fora. Parte desses fatos são conhecidos há muito
tempo. O escândalo da Alstom ganhou as manchetes do mundo inteiro em
2008 e até a última quinta-feira jamais tinha aparecido na Globo dessa
maneira. Aliás, mesmo nos grandes jornais da época não ganhou tanto
destaque quanto tem recebido em toda a grande mídia nos últimos dias.
Dizer que um fenômeno dessa magnitude ocorreu devido à gravidade do
caso não chega a ser apropriado, apesar de ser parte da verdade. Há
outras causas.
Um escândalo dentro do escândalo é 45 inquéritos referentes às
denúncias contra o PSDB paulista terem sido arquivados pelo aparelhado
Ministério Público de São Paulo, que teve que desarquivá-los por pressão
internacional, pois as multinacionais europeias corromperam políticos
em outros países além dos que corromperam no Brasil e as notícias só
estavam sepultadas aqui, no único dos países envolvidos no caso Alstom
em que ninguém foi punido.
Paralelamente aos tucanos, portanto, a grande imprensa brasileira e o
MP-SP têm responsabilidade pela impunidade de políticos que não estão
sendo acusados de comprar votos no Congresso para aprovar projetos como
os petistas envolvidos no mensalão, mas de roubar em benefício próprio,
para enriquecerem.
Fiquemos, porém, no caso da imprensa – por enquanto.
A eterna blindagem de corruptos amigos pela Globo e companhia
limitada vem despertando uma irritação crescente na sociedade que vem se
voltando contra a grande imprensa em geral e que tem, inclusive,
desencadeado violência, com depredação de unidades móveis de vários
veículos e expulsão de repórteres da Globo das manifestações, além de
depredação de imóveis da emissora.
Dessa maneira, a recente “imparcialidade” que a emissora abraçou pode
derivar de medo de ter ultrapassado os limites após constatar a
progressiva degradação de sua imagem, até por conta das denúncias de ter
cometido crimes contra a ordem tributária que podem colocá-la, cedo ou
tarde, no lugar em que o PSDB está hoje.
Recentemente, escrevi que a Ocultação dos escândalos Globo e PSDB-Siemens foi longe demais.
Como se vê, a conversão global ao bom jornalismo das matérias acima –
que talvez não seja tão bom, mas que é bem melhor do que a artilharia
histérica que a emissora dispara todo dia contra o PT desde 1989 –, está longe de ser produto de mera crise de consciência.
http://www.blogdacidadania.com.br/2013/08/escandalos-do-psdb-represados-por-19-anos-inundam-o-jn/
Nenhum comentário:
Postar um comentário