O visível nervosismo da ministra do STF Rosa Weber ao proferir seu voto pela condenação do ex-presidente petista da Câmara dos Deputados João Paulo Cunha denuncia um fato inédito na República – ao menos ocorrendo de forma tão desabrida: a Suprema Corte de Justiça do país se transformou em marionete de meia dúzia de mega empresários do setor de comunicação.
A perplexidade dos meios jurídicos com os motivos alegados pelos ministros que condenaram João Paulo com base em “verossimilhança” que dizem enxergar nas acusações que lhe foram feitas é tão grande que na edição de hoje (29.08) da Folha de São Paulo saiu artigo de um professor de Direito Penal que assinala “risco à Justiça” por conta dessa condenação.
Antes de prosseguir, reproduzo artigo do professor de Direito Penal da FGV do Rio Thiago Bottino
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FOLHA DE SÃO PAULO
29.08.2012
Relativizar exigência de prova põe justiça em risco
OS CRITÉRIOS QUE ORIENTAM ESSA ANÁLISE PROVÊM DA FORMAÇÃO JURÍDICA E DA TRAJETÓRIA DE CADA JULGADOR
THIAGO BOTTINO
ESPECIAL PARA A FOLHA
O Código de Processo Penal diz que o juiz deve condenar um acusado com base nas provas. No caso do mensalão há uma gama enorme de provas: documentos, depoimentos, perícias e laudos. Todos os julgadores olham o mesmo enorme mosaico de elementos e a partir dele tomam uma decisão. Esse processo é feito em etapas.
Em primeiro, buscam provas que tenham um “certificado de origem” (não podem ser obtidas de forma ilícita, devem ser produzidas segundo as regras processuais).
Uma vez admitidas, podem passar à próxima etapa. Ainda assim, são milhares de provas de consistência e natureza diferenciadas.
A segunda etapa é da seleção. Alguns ministros terão seu olhar atraído para determinadas provas e nesse processo não verão outras. Daí os debates entre eles acerca de um fato ter sido provado ou não. Foi o que aconteceu quando o ministro Ricardo Lewandowski mudou seu voto ao considerar o que Joaquim Barbosa arguiu quanto ao bônus de volume.
Na terceira etapa, as provas são confrontadas. Entre aquelas selecionadas, ainda há contradições. As provas “brigam”: testemunhas dizem coisas opostas.
Desse confronto sai uma decisão: a versão convincente para o julgador. Os critérios que orientam essa análise são ocultos, provêm da formação jurídica e da trajetória profissional e pessoal de cada julgador, de sua avaliação sobre a força de cada prova.
Mas a decisão está sempre apoiada em provas. Barbosa escolheu o laudo dos peritos do TCU. Lewandowski, a decisão dos ministros do TCU.
Não se deve condenar com base em indícios, probabilidades, estranhezas, coincidências ou presunções. São como areia movediça na qual afunda a própria justiça da decisão. Diminuem a impunidade, mas aumentam o risco de condenações injustas.
O processo do mensalão comprova isso. O ministro Luiz Fux disse que é possível flexibilizar garantias. Mas dizer que é preciso relativizar a exigência de provas é diminuir o esforço que relator e revisor fizeram para indicar as bases de sua convicção.
Cada um selecionou, valorou e escolheu elementos diferentes, pois há provas para todos os gostos. Mas ambos apontam exatamente quais depoimentos, laudos e decisões servem de apoio para as decisões. E assim legitimam e explicitam suas posições.
THIAGO BOTTINO é professor de direito penal da FGV Direito, do Rio
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A perplexidade que vai se espalhando com a rendição escancarada da maioria dos ministros do Supremo aos ditames midiáticos deriva não apenas da condenação de João Paulo Cunha. Antes, vêm a escandalosa ultrapassagem do julgamento do “mensalão tucano” (mais antigo) pelo julgamento do “mensalão petista” e a negativa de desmembramento do processo “petista” que foi concedido pelo STF ao processo “tucano”.
Vai se confirmando acusação que o ministro Ricardo Lewandowski fez em privado ao STF em 2007 e que acabou se tornando pública porque o juiz estava sendo espionado pela Folha de São Paulo em sua intimidade. Repórter daquele jornal o ouviu dizer ao telefone em um restaurante que a Corte aceitou indiciar José Dirceu porque a mídia lhe pôs “faca no pescoço”.
Temos então no Brasil, hoje, uma Justiça para petistas e outra para tucanos. Ou, melhor dizendo, uma Justiça para os amigos e outra para os inimigos da Globo, da Folha, do Estadão e da Veja.
No caso dos amigos da mídia, a Justiça concede tudo, amacia, absolve, engaveta; no caso dos inimigos, condena sem provas e inverte o instituto In Dubio Pro Reo (na dúvida, a favor do réu). Como se sabe, o Direito reza que se só existem indícios contra alguém não se pode condená-lo com base no que parece que fez, com base em subjetividade absoluta.
A voz trêmula e hesitante de Rosa Weber ou o malabarismo retórico de Luiz Fux deixaram claro que eles sabiam o que estavam perpetrando e tentaram, clara e excessivamente, explicar o inexplicável.
Pouco antes de começar o julgamento do mensalão, houve troca de presidente da Central Única dos Trabalhadores. O presidente que assumiu, o sindicalista Wagner Freitas, naquela oportunidade afiançou que a CUT e outros movimentos sociais iriam às ruas caso o STF cedesse à mídia e fizesse um julgamento político. Pois bem: a mídia acaba de se assenhorar da Justiça brasileira, adquirindo, assim, o poder de condenar seus inimigos e absolver seus amigos, como se vê nos mensalões “petista” e “tucano”.
É óbvio que não se vai conseguir mudar os votos do STF. Está claro que, à exceção de Lewandowski e de José Antônio Dias Tóffoli, os outros ministros vão atuar como marionetes das famílias Marinho, Frias, Civita e Mesquita e não haverá manifestação que os recoloque na trilha do Direito.
Para que ir à rua, então? Simples: para denunciar. CUT, MST, UNE e tantos outros movimentos sociais têm meios de fazer explodirem manifestações por todo país. Nesses atos, deve-se explicar à sociedade nas ruas o casuísmo do STF e por que ele está ocorrendo.
Mas não é só. Esse deve ser o primeiro passo de um amplo movimento político de reação ao verdadeiro golpe de Estado que está em curso no Brasil.
As condenações sem provas de cidadãos pela mais alta Corte de Justiça do país têm que gerar uma reação política de peso, do contrário se instalará no Brasil a primeira ditadura midiática formal de que se tem notícia, onde inimigos da mídia são mandados para a cadeia por determinação de editorialistas, colunistas e âncoras de telejornal.
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