9 de abril de 2013
Cheguei pontualmente às 17:30 hs. da última terça-feira (9.4) ao
prédio na Vila Mariana – bairro de classe média de São Paulo – em que
reside o ex-ministro da Casa Civil José Dirceu, a fim de entrevistá-lo.
Todavia, tive que esperar porque ele estava reunido com assessores.
Enquanto espero no saguão do prédio, reflito que a imagem que vem
sendo pintada do “poderoso chefão” através dos anos não combina com o
lugar em que reside, muito distante do luxo em que acreditam que possa
viver alguém que teria encabeçado “o maior escândalo de corrupção da
história”.
Após uns 30 minutos de espera, quatro assessores saem do elevador e
ganham o saguão enquanto o porteiro me avisa de que minha subida ao
apartamento do ex-ministro está liberada.
Encontro Dirceu de jeans e camisa social azul-clara. Ele fala ao
telefone. Enquanto me aproximo, aponta o degrau entre o hall de entrada e
a sala de estar do apartamento, sinalizando para que tenha cuidado – o
piso claro torna o degrau quase imperceptível.
O Dirceu que me recebe não parece um homem que está prestes a ir para
a cadeia. Ao telefone, discute um problema social envolvendo índios,
mas não lhe faço perguntas. Seu ar descontraído é o que me desperta a
curiosidade.
Nos próximos sessenta minutos, temos uma conversa informal que, sob autorização dele, transformo na entrevista abaixo.
*
BLOG DA CIDADANIA – Como está o seu estado de espírito diante das possibilidades de ser condenado a cumprir pena?
JOSÉ DIRCEU – Estou indignado e revoltado não apenas
pela injustiça cometida contra meus direitos e garantias
constitucionais, mas principalmente pelo gravíssimo precedente aberto
pela maioria do STF ao me condenar sem provas, com base numa
interpretação equivocada da teoria do domínio funcional dos fatos,
mudando décadas de jurisprudência sobre a exigência de ato de oficio. Um
julgamento transmitido pela TV, com uma propaganda opressiva, marcada
para coincidir com as eleições municipais e com as vésperas do primeiro e
do segundo turno. Há ainda o agravante do julgamento ser antecipado
para que um ministro às vésperas da aposentadoria pudesse participar.
Algo nunca visto na suprema corte.
BLOG DA CIDADANIA – Em caso de condenação definitiva, qual é o tempo que você efetivamente terá que cumprir em regime fechado?
JOSÉ DIRCEU – Nos termos atuais, sem o julgamento
dos recursos a que tenho direito, seriam 1 ano e dez mês de regime
fechado e mais 1 ano e dez meses de regime semi aberto. Fui condenado a
10 anos 10 meses de prisão. A pena por formação de quadrilha é de 2
anos e 11 meses, praticamente a pena máxima, que é 3 anos. Por corrução
ativa são mais 7 anos e 10 meses, mais uma vez praticamente a pena
máxima, que era de 8 anos pela legislação anterior.
BLOG DA CIDADANIA – Se tivesse que escolher
entre o período que passou na clandestinidade e um período que poderá
passar na prisão, o que preferiria?
JOSÉ DIRCEU – Evidentemente a clandestinidade, onde
apesar de tudo fui feliz, trabalhei, estudei, conheci o Brasil, casei,
constitui família, nasceu meu filho Zeca, criei as condições para voltar
a atuação política, o que já aconteceu no final de 1977. Apesar do
isolamento e do afastamento de minha família por 10 anos nunca perdi a
esperança e nunca deixei de lutar.
A questão não é o tempo que vou passar na prisão, mas sim a
condenação injusta e a ignomínia e infâmia de me condenarem por
corrupção e formação de quadrilha sendo inocente e não há qualquer prova
contra mim. Minha indignação é contra a operação política para me
transformar num corrupto e quadrilheiro e apresentar à sociedade meu
caso como um exemplo de que agora se faz justiça no Brasil com os
poderosos indo para a cadeia. É uma farsa, já que sou inocente, não há
crime e nem provas de que eu teria cometido qualquer ato ilícito nas
minhas funções de ministro e deputado.
BLOG DA CIDADANIA – Após sua condenação, houve
especulações sobre a sua segurança numa eventual prisão devido à sua
extrema notoriedade. Você tem alguma preocupação nesse sentido?
JOSÉ DIRCEU - Prisão é prisão como todos sabemos,
mas cada um sabe se cuidar e se defender, mas é evidente que a
responsabilidade é de quem me condena sem provas, sem crime e com
evidências claras de uma condenação política e um juízo de exceção.
BLOG DA CIDADANIA – Dizem que, se você fosse
condenado, iria para o que chamam de “prisão de Caras”, ou seja, para o
sistema prisional de Tremembé (SP). Uma prisão como essa lhe oferece
maior segurança?
JOSÉ DIRCEU – Não se pode dizer hoje que estou
condenado, já que ainda temos os recursos, temos o bom direito ao nosso
lado e há fatos novos como as provas que os recursos da VISANET nem são
públicos e nem foram desviados, o que na prática anula o julgamento numa
revisão criminal depois de transitado em julgado.
BLOG DA CIDADANIA – Quais as chances que você vê
em reverter sua condenação no julgamento dos recursos? Ou, ao menos, em
reverter alguma das condenações de forma a que não tenha que ir ao
regime fechado?
JOSÉ DIRCEU – Do ponto do vista do direito temos
chance real de reverter a condenação por formação de quadrilha e reduzir
as penas já que nem a jurisprudência do STF e nem os códigos foram
observados nas penas absurdas que foram dadas. Depois do trânsito em
julgado temos o direito à revisão criminal e a recorrer à CIDH da OEA e
ao TPI de San Jose, Costa Rica.
BLOG DA CIDADANIA – Você considera adequado o prazo de cinco dias para sua defesa apresentar recursos após a publicação do acórdão do julgamento?
JOSÉ DIRCEU – Claro que não. Por isso mesmo meu
advogado e os de outros réus entraram com pedidos mais do que razoáveis
de um prazo maior. Não é a primeira vez nesse julgamento que nosso
direito de defesa é desprezado como uma chicana e assim violado não
apenas o direito de defesa mas o devido processo legal.
BLOG DA CIDADANIA – A que você atribui a pressa
que se vê para concluir o processo? Só como parâmetro, o julgamento das
cotas raciais pelo STF já tem um ano e até hoje não foi publicado o
acórdão.
JOSÉ DIRCEU – As razoes são políticas, o que na prática deveria levar à anulação de todo juízo.
BLOG DA CIDADANIA – Qual sua visão sobre a
abertura de investigação sobre o presidente Lula pela PF a pedido da
Procuradoria de Brasília? Há algum elemento que, na sua visão,
justifique esse processo?
JOSÉ DIRCEU – Indevida e ilegal, mais uma abuso de
autoridade do MP, mais uma violência exclusivamente por razões
políticas. Esse mesmo MP não abriu nenhuma investigação contra o
ex-senador Demóstenes Torres mesmo tendo conhecimento dos autos de um
inquérito da Policia Federal, chamada operação Las Vegas, que na prática
ficou arquivado, engavetado, numa cena explícita de prevaricação até
que novos fatos e atos criminosos obrigaram o MP a tomar providências
legais contra o então senador, procurador e principal porta voz do MP no
Congresso Nacional.
BLOG DA CIDADANIA – O presidente, em caso de
abertura de uma ação penal, pode enfrentar um tipo de julgamento como o
que você enfrentou, com uso da teoria do “domínio do fato”, ou a AP 470
foi uma exceção que não se repetirá?
JOSÉ DIRCEU – Espero que seja arquivada a
investigação e que não tenhamos que analisar essa possibilidade, por
absoluta falta de elementos para qualquer nova investigação e porque o
próprio STF já recusou mais de uma vez incluir o presidente na AP 470.
BLOG DA CIDADANIA – Como você vê a distribuição
de verbas públicas para publicidade do governo federal entre os grandes
meios de comunicação? Há um equilíbrio entre as mídias alternativas e as
tradicionais? E entre a própria grande mídia, a distribuição lhe parece
justa?
JOSÉ DIRCEU – Não é justa, não há equilíbrio. Além
disso é preciso respeitar a constituição e estimular a pequena e micro
mídia – assim como se faz com a pequena e micro empresa -, o pluralismo e
evitar o monopólio. Deve-se garantir a diversidade e a produção e
defesa da cultura nacional.
BLOG DA CIDADANIA – Como você vê a acusação da grande mídia ao PT de que o partido quereria censurá-la para que não divulgue escândalos contra si?
JOSÉ DIRCEU – Na entrevista que dei a Folha-UOL [e
que será publicada amanhã] respondi a essa questão. Por que o PT
quereria censurar a imprensa? Mesmo que quisesse, não teria força. Outra
coisa é regular mídia. O que não é possível é um veículo deter 70%, 80%
de toda a publicidade do país. Como as organizações Globo, por exemplo.
*
PS: neste sábado viajo a Curitiba para participar de uma mesa
de debate em um encontro de blogueiros local. O Blog só voltará a ser
atualizado no domingo.
http://www.blogdacidadania.com.br/2013/04/60-minutos-com-jose-dirceu/
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