Em abril de 2002, eu estava em Valencia, no Estado Carabobo, na
Venezuela. De lá, acompanhei, passo a passo, os preparativos para a
tentativa de golpe que teve como saldo dezenas de mortos e centenas de
feridos.
2013. O candidato oposicionista Henrique Capriles está convocando
manifestações de seus partidários contra o resultado eleitoral que lhe
foi adverso. Os partidários do presidente Nicolás Maduro também se
preparam para ir às ruas.
Em 2002, duas manifestações antagônicas (chavistas e antichavistas)
se encontraram na Ponte Llaguno, em Caracas. O saldo do encontro das
duas marchas: 18 mortos e centenas de feridos.
Enquanto os manifestantes de lado a lado caminhavam para a Ponte
Llaguno, as televisões RCTV, Globovisión, Venevisión e outros veículos
oposicionistas instigavam os antichavistas a continuarem marchando até o
Palácio presidencial de Miraflores.
Pouco antes do golpe, eu estava na Venezuela havia duas semanas, a
trabalho. Um cliente antichavista filiado ao partido Acción Democrática
me convidara a ir com ele a uma reunião de seu partido com o partido
Copei e com sindicatos.
Durante a reunião, foi abordado do golpe até o assassinato de Hugo Chávez.
Parti da Venezuela antes das 47 horas da tentativa de golpe e da
retomada do poder pelos chavistas, mas vi clima de confrontação entre
governistas e oposicionsitas que precedeu a tentativa de golpe e que em
tudo se assemelha ao que se está vendo hoje.
Por conta disso que no post de segunda-feira já previ o agravamento
da situação política, pois estou vendo tudo ocorrer de novo como se
fosse um filme.
Chefes das forças armadas venezuelanas leais a Chávez, tal como hoje,
também garantiram apoio ao governo, mas as articulações oposicionistas
cooptaram parte daquelas forças militares e o golpe ocorreu – Chávez foi
sequestrado por militares.
Ontem (segunda-feira), o governo dos Estados Unidos recusou-se a
reconhecer a vitória de Maduro, em perfeita consonância com a retórica
incendiária de Capriles, tal como em 2002, quando a potência hegemônica
também ajudou a inflar a guerra retórica de parte a parte que se está
vendo.
Quem conhece a Venezuela como este que escreve, está experimentando
um legítimo déjà vu. A escalada retórica de parte a parte (governo e
oposição), as declarações do Departamento de Estado norte-americano…
Tudo igual.
A Unasul foi criada justamente pensando em situações como a que se
está assistindo. Só que está demorando demais a se manifestar. Confiar
cem por cento no espírito legalista das forças armadas venezuelanas será
um erro igual ao de 2002.
Capriles, na noite de domingo, reuniu-se com militares. As
manifestações de rua oposicionistas estão sendo armadas de novo. Os EUA
estão tomando partido abertamente de novo. A Espanha, idem. É preciso
dizer mais?
Os países aliados da Venezuela parecem ter se esquecido da velocidade
do golpismo naquele país. Após o golpe, não adiantará nada se reunirem e
darem declarações. Nesse ritmo, acontecerá exatamente o mesmo que em
Honduras, quando a Unasul não serviu para nada.
O tempo urge. O golpe está em processo. Maduro até já disse isso.
Informações oficiais transmitidas pela rede estatal de televisão
venezuelana Telesur aludem a choques violentos, tiroteios, incêndios de
carros, casas e até a mortes. A imprensa brasileira não diz um A, está
deliberadamente ocultando os fatos.
Na noite de domingo, eu disse no Twitter que temia o surto de
violência que acabou ocorrendo. Os choques de oposicionistas com a
polícia, os incêndios dos quais as imagens já se espalham, os tiroteios…
Nada disso é aceitável. Uma vitória por pequena margem não é motivo
para a oposição venezuelana agir assim. Que vá batalhar nos tribunais,
não nas ruas.
A Unasul deve agir de acordo à sua carta constitutiva. Os países
filiados devem sustentar o regime venezuelano POR TODOS OS MEIOS
PREVISTOS. O sangue que pode voltar a ser derramado será
responsabilidade dos omissos.
Depois da Venezuela, quem será? Argentina? Bolívia? Equador? Brasil?
*
Assista, abaixo, à batalha de Puente Llaguno.
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