Se um camelô vender na praça um elixir da juventude garantindo que
faz rejuvenescer 20 anos, acabará sendo preso por fraude. Se uma
indústria de alimentos vender embalagem de um quilo de feijão contendo
900 gramas, será multada e a lei prevê até prisão para os donos da
empresa.
A partir de hoje (23) – finalmente! – vigora a determinação da
Anatel que proibiu temporariamente a venda de chips das empresas de
telefonia celular, porque a rede não está dimensionada para atender o
número de aparelhos vendidos. Estas empresas que venderam de propósito
mais linhas do que suas redes comportam não são muito diferentes do
fabricante que vende 900 gramas como se fosse um quilo, nem do camelô
que vende elixir da juventude. Não estão entregando a mercadoria que
deveriam.
E foi esse modelo de privatização que o tucanato deixou de
legado, colocando o planejamento destes serviços públicos essenciais na
mão invisível do mercado. À Anatel cabe multar ou proibir a venda, mas
só fica sabendo depois que o serviço fica tão ruim que atinge uma massa
crítica de usuários reclamando.
Até há pouco tempo a punição vinha sendo multas sobre as
empresas. Mas parece que só pagar a multa compensava, perto do lucro que
ganhavam ao saturar a rede, sem investir no mesmo ritmo do crescimento
de usuários. A proibição da venda deve ser mais eficiente como punição,
pois atinge o faturamento da empresa e sinaliza para o consumidor que
está vendendo porcaria de serviço.
De qualquer forma essa situação, somada ao alto custo da
ligação (sobretudo do celular pré-pago usado pelas pessoas de baixa
renda), derruba a versão tucana de que a privatização das teles tenha
sido um sucesso.
Como mostrou Aloysio Biondi em seu livro "O Brasil
privatizado", a privatização deu prejuízo, pois o governo FHC investiu
nas empresas mais dinheiro para "saneá-las" antes de privatizar do que
arrecadou no leilão. Há uma falácia quanto ao alegado investimento
privado trazido para o setor, pois grande parte não passa de fluxo de
caixa gerado pelas tarifas, portando é dinheiro do usuário que paga a
conta e não do investidor estrangeiro.
Pelo contrário, o que tem se notado é uma notável remessa de lucros
para cobrir crises nas matrizes estrangeiras, sem reinvestir aqui. A
queda de preços na habilitação da linha e dos aparelhos se deveu ao
barateamento mundial da tecnologia e ao aumento de tarifas como a
assinatura básica, e não à privatização em si.
A restrição da oferta em telefonia fixa já estava sendo resolvida com
o saneamento do sistema Telebras antes de ser privatizada. E agora
consolidou-se um mercado da má qualidade como padrão que todas as
empresas seguem, atuando em forma de cartel, e que agora está tendo de
ser reenquadrado pelo governo e pela Anatel.
O fato é que o antigo sistema Telebras nunca deveria ter sido
privatizado. Era altamente lucrativo, mas já havia telefonia celular
privada concorrendo com as estatais. Outras empresas de telefonia fixa
privada poderiam entrar no mercado concorrendo com a Telebras. Mas a
estatal deveria se manter como referência de qualidade mínima e de
tarifas a custos acessíveis.
Desde 2010 o governo federal reativou a Telebras e está
construindo uma grande rede nacional de fibra ótica para suprir banda
larga no atacado, onde provedores podem explorar o varejo, levando o
sinal até os domicílios. Até 2014, segundo as projeções oficiais, boa
parte desta rede estará pronta, e a Telebras deverá ganhar musculatura.
Como onde passam dados de internet passa voz digital, se as atuais
operadoras não melhorarem muito e rápido, haverá forte pressão popular
para a Telebras voltar a oferecer também telefonia. Aí sim o cidadão
terá alternativa de qualidade e preço.
http://www.redebrasilatual.com.br/blog/helena/o-falso-elixir-milagroso-da-privataria-nas-teles
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