Após o anúncio da escolha do cardeal Jorge Mario Bergoglio pelo
Conclave do Vaticano para suceder Joseph Ratzinger – o agora “Papa
Emérito” Bento XVI – sob o nome “Francisco”, formou-se, quase que
imediatamente, um consenso até meio óbvio de que tal escolha busca
combater o avanço dos evangélicos e da esquerda na América Latina, a
região do mundo que – ainda – é a mais católica.
A tese que o Vaticano obviamente abraçou é a de que ter um líder da
Igreja Católica oriundo desta parte do mundo poderá recuperar para si o
imenso rebanho que veio perdendo através das últimas décadas para as
igrejas evangélicas, como se essa desidratação do catolicismo tivesse
ocorrido pela nacionalidade dos Papas João Paulo II ou Bento XVI e não
por essa Igreja se manter presa a dogmas cada vez mais incompatíveis com
a evolução política e ideológica dos povos latino-americanos.
Antes de analisar a estratégia católica, porém, alguns dados importantes.
O novo Papa é um descendente de italianos que foi escolhido no país
mais italiano da América Latina, pois a Argentina foi o país da região
que mais recebeu imigrantes italianos – estima-se que entre 1870 e 1970
entraram no país 2,9 milhões de italianos por lá, enquanto que o Brasil
recebeu 1,5 milhão.
Só para se ter uma ideia de quão italiana é a Argentina, apesar de
hoje o Brasil, com seus quase 200 milhões de habitantes, ter cerca de 25
milhões de descendentes de imigrantes italianos, a Argentina, com quase
40 milhões de habitantes, tem um contingente de descendentes de
italianos bem menos miscigenado e que é mais ou menos o mesmo ou até um
pouco superior.
E quanto ao perfil do novo Papa, é mais parecido com o de seu
antecessor do que parece. Muitos apontaram a coincidência entre
Bergoglio e Joseph Ratzinger por ambos supostamente terem tido vínculos
com regimes ditatoriais e desumanos, respectivamente a ditadura
argentina e o nazismo.
Ratzinger foi chamado de “nazista” por ter integrado a juventude
hitlerista e Bergoglio é acusado de ter delatado esquerdistas ao regime
militar argentino e até de ter se envolvido em “sequestro de bebês”.
Ambos se defendem da mesma forma. Enquanto Ratzinger e seus biógrafos
alegam que ele integrava a juventude hitlerista porque na Alemanha, à
época, era obrigatório, mas que nunca se filiou ao partido nazista,
Bergoglio e os biógrafos dele alegam que após a prisão dos dois
sacerdotes os quais é acusado de ter delatado, trabalhou nos bastidores
para libertá-los intercedendo junto ao ditador Jorge Rafael Videla.
Quanto às ideias do atual Papa e de seu antecessor, o Vaticano trocou
seis por meia dúzia. Ambos conservadores, ambos intransigentemente
contrários aos direitos dos homossexuais, ao aborto etc., etc., etc.
O que resta de novidade no novo Papa, portanto, é a sua origem latina
– apesar de ser mais italiano do que o antecessor, ainda que menos
europeu –, um suposto ativismo social cujos resultados concretos ninguém
sabe quais foram e uns tais “hábitos simples” como o de ter usado
transporte público um dia, o que, convenhamos, parece muito pouco para
ele se comparar – ou, vá lá, ser comparado – a São Francisco de Assis.
É nesse ponto que a escolha do novo Papa, assim como a do anterior,
assume contornos bem parecidos com a estratégia que o PSDB vem adotando
há muito, mas que se acentuou a partir da eleição presidencial de 2010:
ir buscar apoio entre a parcela mais reacionária da sociedade, fenômeno
que fez o partido apelar para os mesmos “valores” ultraconservadores
como “família” e “direito à vida”.
O Vaticano com Bergoglio, portanto, parece estar inovando muito pouco
em termos de estratégia política, e errando a mão em sua escolha.
Não só o PSDB, mas todos os grandes partidos que se desviaram para a
direita – ou que sempre a integraram – na América Latina vêm tomando
verdadeiras sovas eleitorais com o recurso a esse setor decadente e
minguante das sociedades da região, o qual, com a crescente
escolarização e ascensão social em curso por aqui, deve diminuir muito
nos próximos anos.
O fato de o novo Papa ser latino, portanto, muito dificilmente fará
os convertidos à fé evangélica retornarem ao seio da Santa Madre Igreja,
pois não a deixaram devido ao Papa anterior ser europeu e sim porque
sentem-se mais acolhidos pela nova fé que abraçaram, que, ao menos, não
lhes parece tão distante de si quanto o catolicismo, mesmo que isso
possa não ser verdade, ou que seja apenas parte dela.
E, politicamente, a latinidade de Bergoglio não fará a América Latina
trocar o bem-estar e a ascensão social da maioria pobre da região
proporcionados por governos progressistas para cair de cabeça na
retórica sobre “corrupção” ou “valores familiares” que políticos
conservadores como os do PSDB, do DEM etc. encamparam, pois tais
“valores”, como bem sabem todos, não enchem barriga.
http://www.blogdacidadania.com.br/2013/03/marqueteiro-do-vaticano-deve-ser-o-mesmo-que-o-dos-tucanos/
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