Blogg do Amoral Nato
Medíocres e perigosos
Da Carta Capital
Matheus Pichonelli
O reacionário é, antes de tudo, um fraco. Um fraco que conserva ideias
como quem coleciona tampinhas de refrigerante ou maços de cigarro – tudo
o que consegue juntar mas só têm utilidade para ele. Nasce e cresce em
extremos: ou da falta de atenção ou do excesso de cuidados. E vive com a
certeza de que o mundo fora da bolha onde lacrou seu refúgio é um mundo
de perigos, pronto para tirar dele o que acumulou em suposta dignidade.
Como
tem medo de tudo, vive amargurado, lamentando que jamais estenderam um
tapete à sua passagem. Conserva uma vida medíocre, ele e suas concepções
e nojos do mundo que o cerca. Como tem medo, não anda na rua com receio
de alguém levar muito do pouco que tem (nem sempre o reacionário é um
quatrocentão). Por isso, só frequenta lugares em que se sente seguro,
onde ninguém vai ameaçar, desobedecer ou contradizer suas verdades. Nem
dizer que precisa relaxar, levar as coisas menos a sério ou ver graça na
leveza das coisas. O reacionário leva a sério a ideia de que é um
vencedor.
Para ele, tudo o que é diferente tem potencial de destruição
A maioria passou a vida toda tendo
tudo aos alcance – da empregada que esquentava o leite no copo favorito
aos pais que viam uma obra de arte em cada rabisco em folha de sulfite
que ele fazia – e cultivou uma dificuldade doentia em se ver num mundo
de aptidões diversas. Outros cresceram em meios menos abastados – e
bastou angariar postos na escala social para cuspir nos hábitos de
colegas de velhos andares. Quem não chegou aonde chegou – sozinho,
frise-se – não merece respeito.
Rico, ex-pobre ou
falidos, não importa: o reacionário clássico enxerga em tudo o que é
diferente um potencial de destruição. Por isso se tranca e pede para não
ser perturbado no próprio mundo. Porque tudo perturba: o presidente da
República quer seu voto e seus impostos; os parlamentares querem fazê-lo
de otário; os juízes estão doidos para tirar seus direitos acumulados; a
universidade é financiada (por ele, lógico) para propagar ideias
absurdas sobre ideais que despreza; o vizinho está sempre de olho na sua
esposa, em seu carro, em sua piscina. Mesmo os cadeados, portões de
aço, sistemas de monitoramento, paredes e vidros anti-bala não angariam
de todo a sua confiança. O mundo está cheio de presidiários com indulto
debaixo do braço para visitar familiares e ameaçar os seus (porque os
seus nunca vão presos, mesmo quando botam fogo em índios, mendigos,
prostitutas e ciclistas; índios, mendigos, prostitutas e ciclistas estão
aí para isso).
Como não conhece o mundo afora, a não ser pelas viagens programadas em
pacotes que garantem o translado até o hotel, e despreza as ideias que
não são suas (aquelas que recebeu de pronto dos pais e o ensinaram a
trabalhar, vencer e selecionar o que é útil e o que é supérfluo), tudo o
que é novo soa ameaçador. O mundo muda, mas ele não: ele não sabe que é
infeliz porque para ele só o que não é ele, e os seus, são lamentáveis.
Muitas vezes o reacionário se torna pai e aprende, na marra, o conceito
de família. Às vezes vai à igreja e pede paz, amor, saúde aos seus. Aos
seus. Vê nos filhos a extensão das próprias virtudes, e por isso os
protege: não permite que brinquem com os meninos da rua nem que tenham
contato com ideias que os retirem da sua órbita. O índice de infarto
entre os reacionários é maior quando o filho traz uma camisa do Che
Guevara para casa ou a filha começa a ouvir axé e namorar o vocalista da
banda (se ele for negro o infarto é fulminante).
Mas a vida é repleta de frestas, e o tempo todo estamos testando as mais
firmes das convicções. Mas ele não quer testá-las: quer mantê-las. Por
isso as mudanças lhe causam urticárias.
Nos anos 70, vivia com medo dos hippies que ousavam dizer que o amor não precisava de amarras. Eram vagabundos e irresponsáveis, pensava ele, em sua sobriedade.
Depois vieram os punks, os excluídos de aglomerações urbanas
desajeitadas, os militantes a pedir o alargamento das liberdades civis e
sociais. Para o reacionário, nada daquilo fazia sentido, porque ninguém
estudou como ele, ninguém acumulou bens e verdades como ele e,
portanto, seria muito injusto que ele e o garçom (que ele adora chamar
de incompetente) tivessem o mesmo peso numa urna, o mesmo direito num
guichê de aeroporto, o mesmo lugar na fila do fast food.
O reacionário vive com medo. Mas não é inofensivo.
Para não dividir espaços cativos, frutos de séculos de exclusão que ele
não reconhece, eleva o tom sobre tudo o que está errado. Sabendo de seus
medos e planos de papel, revistas, rádios, televisão, padres, pastores e
professores fazem a festa: basta colocar uma chamada alarmista (“Por
que você trabalha tanto e o País cresce tão pouco?”) ou música de
suspense nas cenas de violência (“descontrolada!”) na tevê para que ele
se trema todo e se prepare para o Armagedoon. Como bicho assustado,
volta para a caixinha e fica mirabolando planos para garantir mais
segurança aos seus. Tudo o que vê, lê e ouve o convence de que tudo é um
perigo, tudo é decadente, tudo é importante, tudo é indigno. Por isso
não se deve medir esforços para defender suas conquistas morais e
materiais.
E ele só se sente seguro quando imagina que pode eliminar o outro.
Primeiro, pelo discurso. No começo, diz que não gosta desse povinho que
veio ao seu estado rico tirar espaço dos seus. Vive lembrando que
trabalha mais e paga mais impostos que a massa que agora agora quer
construir casas em seu bairro, frequentar os clubes e shoppings antes só
repletos de suas réplicas. Para ele, qualquer barberagem no trânsito é
coisa da maldita inclusão, aqueles bárbaros que hoje tiram carta de
habilitação e ainda penduram diplomas universitários nas paredes. No
tempo dele, sim, é que era bom: a escola pública funcionava (para ele), o
policial não se corrompia (sobre ele), o político não loteava a
administração (não com pessoas que não eram ele).
Há que se entender a dor do sujeito. Ele recebeu um mundo pronto, mas
que não estava acabado. E as coisas mudaram, apesar de seu esforço e sua
indignação.
Ele não sabe, mas basta ter dois neurônios para rebater com um sopro
qualquer ideia que ele tenha sobre os problemas e soluções para o mundo –
que está, mas ele não vê, muito além de um simples umbigo. Mas o
reacionário não ouve: os ignorantes são os outros: os gays que colocam
em risco a continuidade da espécie, as vagabundas que já não respeitam a
ordem dos pais e maridos, os estudantes que pedem a extensão de
direitos (e não sabem como é duro pegar na enxada), os maconheiros que
não estão necessariamente a fim de contribuir para o progresso da nação,
os sem-terra que não querem trabalhar, o governante que agora vem com
esse papo de distribuir esmola e combater preconceitos inexistentes
(“nada contra, mas eles que se livrem da própria herança”), os países
vizinhos que mandam rebas para emporcalhar suas ruas.
Muitas vezes o reacionário se torna pai e aprende o conceito de família.
Vê nos filhos a extensão das próprias virtudes, e por isso os protege:
não permite que brinquem com os meninos da rua nem que tenham contato
com ideias que os retirem da sua órbita
O mundo ideal, para o reacionário, é um mundo estático: no fundo, ele
não se importa em pagar impostos, desde que não o incomodem.
Como muitos não o levam a sério, os reacionários se agrupam. Lotam
restaurantes, condomínios e associações de bairro com seus pares, e
passam a praguejar contra tudo.
Quando as queixas não são mais suficientes, eles juntam as suas solidões
e ódio à coletividade (ironia) e passam a se interessar por política.
Juntos, eles identificam e escolhem os porta-vozes de suas paúras em
debates nacionais. Seus representantes, sabendo como agradar à plateia,
são eleitos como guardiões da moralidade. Sobem a tribunas para condenar
a devassidão, o aborto, a bebida alcoolica, a vida ao ar livre, as
roupas nas escolas. Às vezes são hilários, às vezes incomodam.
Mas, quando o reacionário se vê como uma voz inexpressiva entre os
grupos que deveriam representá-lo, bota para fora sua paranóia e
pragueja contra o sistema democrático (às vezes com o argumento de que o
sistema é antidemocrático). E se arma. Como o caldo cultural legitima
seu discurso e sua paranoia, ele passa a defender crimes para evitar
outros crimes – nos Estados Unidos, alvejam imigrantes na fronteira, na
Europa, arrebentam árabes e latinos, na Candelária, encomendam chacinas
e, em QGs anônimos, planejam ataques contra universitários de Brasília
que propagam imoralidades (leia mais AQUI).
O reacionário, no fim, não é patrimônio nacional: é um cidadão do mundo.
Seu nome é legião porque são muitos. Pode até ser fraco e viver com
medo de tudo. Mas nunca foi inofensivo.
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