O declínio da imprensa tradicional não é um fenômeno exclusivo do
Brasil. Mesmo que seus resultados não sejam desastrosos em uns poucos
países onde algumas mudanças econômicas colocam na cena social novos
protagonistas, ampliando o mercado, a imprensa é decadente por toda
parte, e mais evidentemente onde ela contribuiu para construir
sociedades mais democráticas.
Embora os analistas e observadores sejam levados a abordar essa questão a
partir de pontos específicos, como a dificuldade dos meios tradicionais
em se adaptar às novas tecnologias de informação e comunicação, há
indícios para se afirmar que a crise da imprensa vai muito além do
modelo de negócio.
Trata-se de uma crise do jornalismo, e basta uma pergunta básica: se o
jornalismo é parte essencial da vida democrática, provendo a sociedade
de informações que ajudam a formar a consciência da cidadania, pode-se
dizer que a imprensa está cumprindo bem esse papel em algum lugar do
mundo?
Antes que se diga que é impossível responder, de imediato, essa questão,
podemos reduzi-la ao contexto mais próximo: a imprensa ajuda os
brasileiros a construir um Brasil melhor?
Uma resposta, longa ou sucinta, exige algum paradigma: por exemplo, um
país melhor teria uma população mais educada e menores índices de
violência, para ficar em dois aspectos básicos das sociedades mais
desenvolvidas. Um jornalismo de qualidade poderia contribuir para isso
oferecendo conteúdos que convidassem – o ideal seria o verbo compelir – à
reflexão. Para tanto, a imprensa precisaria se colocar como uma
instituição aberta ao contraditório, o que justificaria seu papel de
mediadora entre visões de mundo diversas ou divergentes.
O aprendizado da convivência democrática não se faz exclusivamente pela
leitura de jornais ou pela audiência passiva de noticiários da
televisão: ele se consolida nos relacionamentos sociais, onde são
testadas as convicções e a capacidade de cada um de lidar com a
diversidade de opiniões e interesses.
Nas sociedades arcaicas, onde as necessidades básicas de sobreviver e
criar a prole limitavam ambições individuais, as opiniões eram
harmonizadas pela figura do sacerdote. Na sociedade moderna, o sacerdote
foi substituído pelos agentes da indústria cultural, que se movem
basicamente pelo interesse econômico.
Alimentando radicais
Essa é uma das origens da submissão de todas as relações à questão
econômica: embora pareça que a imprensa discute política, religião,
futebol ou a moralidade pública, o que define cada opinião é a visão
particular sobre como deve ser organizada a economia. Toda pauta
jornalística é submetida a esse crivo central, e quanto mais urgente é a
decisão editorial, mais reta essa linha entre o fato e a matriz
ideológica que condiciona a interpretação.
Como a sociedade contemporânea projeta uma realidade mais complexa, essa
visão condicionada a um eixo central se torna imprecisa e tende a
distorcer a visão de mundo. Vejamos, por exemplo, como a imprensa viu o
caso em que o disparo – eventualmente acidental – de um artefato naval
de sinalização provocou a morte de um adolescente na cidade de Oruro, na
Bolívia, durante uma partida de futebol.
Claramente, não apenas as reações dos analistas esportivos, mas os
comentários de leitores e protagonistas das redes sociais formaram um
conjunto assombroso de irracionalidades e radicalismos.
A imprensa em peso considerou que o ato foi premeditado. E ponto final. O
fato em si ficou nas sombras – as opiniões se impuseram, impedindo
qualquer reflexão mais elaborada e resultando numa condenação
generalizada a todo torcedor de futebol – essa gentinha diferenciada que
ulula nos estádios, diria uma senhora paulistana de Higienópolis.
O mesmo se pode observar sobre a morte do presidente venezuelano Hugo
Chávez: parte da imprensa e muitos leitores descambaram para o
achincalhe, esquecendo as mais básicas regras da convivência social. Até
mesmo a morte do cantor Alexandre Abrão, conhecido como “Chorão” – ao
que tudo indica provocada pelo abuso de drogas –, acaba sendo usada
nesse contexto, no blog de um jornalista, que escreveu: “Chávez vai
tarde, Chorão vai cedo”.
A imprensa estimula a radicalização na sociedade brasileira,
simplesmente porque não consegue lidar com as sutilezas da realidade
contemporânea. O resultado é mais irracionalidade.
Quando o jornalismo resvala para o aviltamento, não há mais jornalismo.
No Observatório da Imprensa
http://contextolivre.blogspot.com.br/2013/03/a-crise-e-do-jornalismo.html
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