Os noticiários políticos e econômicos dos grandes meios de
comunicação brasileiros e os do resto da América Latina deram mais um
passo no processo de desmoralização em que mergulharam há cerca de uma
década e no qual vão mergulhando cada vez mais fundo.
Logo após o anúncio da morte do ex-presidente da Venezuela Hugo
Chávez, a grande imprensa brasileira foi tomada por um acesso
inexplicável de fúria e rancor.
A virulência do noticiário brasileiro se mostrou inexplicavelmente
redobrada em relação a alguém que acabara de falecer, o que deveria
gerar, se não respeito, ao menos prudente comedimento.
Não foi o que ocorreu. As “análises” dos telejornais – sobretudo os
da Globo – sobre a Venezuela pós Chávez retrataram um país mergulhado no
caos, na pobreza e na violência.
Imprudente, a dita “imprensa” corporativa pareceu nem suspeitar de
que milhões de venezuelanos colocariam suas versões em xeque indo às
ruas em comoção pela partida de um líder amado pela esmagadora maioria
daquele povo.
Suponho que muitos devem ter presenciado cenas que presenciei nos
últimos dias envolvendo pessoas de classe média pouco politizadas e que,
como exceção, ainda dão crédito ao que os grandes veículos dizem sobre
política, seja sobre a nacional ou a internacional
Muitos estão surpresos com a comoção e o carinho que os venezuelanos
estão dedicando a um líder político eternamente acusado pelas mídias
brasileira, latina, americana e europeia de tudo de ruim que se possa
imaginar.
A pergunta mais recorrente que tem sido vista, é: se Chávez era tão
ruim, por que seu povo demonstra tanta dor com a sua partida?
Esse fenômeno não ocorre só no Brasil. Como já foi dito, a grande
mídia internacional também sempre vendeu essa história de que Chávez
“destruiu” a Venezuela “em 14 anos de governo”, premissa que se choca
com o que está sendo visto no país vizinho.
Timidamente, alguns poucos “colunistas” daqui e de toda parte tentam
explicar o fenômeno alegando que os povos latinos são ignorantes e,
assim, não conseguem avaliar o quanto Chávez era ruim.
Esse, porém, é um discurso perigoso pelo qual só os extremistas
midiáticos de direita ousam enveredar. Os mais moderados preferem
insinuar.
Apesar de a Venezuela ter produzido os maiores avanços sociais da
última década na América Latina, para os “colunistas”, “editorialistas” e
até “repórteres” dos grandes veículos de toda parte, isso pouco
importa.
Apegam-se aos problemas econômicos que aquele país enfrentou devido à
crise econômica internacional, já que depende muito do comércio
exterior, ou da exportação de petróleo. E sempre ignorando que os
problemas não chegaram ao povo que apoiou Chávez e que hoje chora por
ele por ter melhorado drasticamente de vida sob seu governo.
A incompatibilidade sobre o que dizem as grandes mídias e a
realidade, porém, não se resume a esse episódio. Aqui no Brasil, a mídia
acaba de sofrer nova grave desmoralização por questões econômicas.
Na última quinta-feira, caiu o último de três cavalos-de-batalha
midiáticos sobre a economia brasileira lançados entre o fim do ano
passado e o começo deste: a produção industrial.
Em janeiro, a indústria brasileira, contrariando todas as previsões
midiáticas, cresceu 2,5%. Pouco antes, os alarmismos sobre racionamento
de energia e sobre um surto de inflação iminente já tinham caído.
O risco de racionamento que foi vendido como altamente provável,
sumiu do noticiário. E a inflação sofreu um tombo sobretudo devido ao
barateamento da energia elétrica.
Porém, para usar uma surrada frase de efeito, o fracasso parece que
subiu à cabeça da direita midiática. Quanto mais suas previsões furadas
se desmoralizam, mais ela reincide nelas.
A crença da direita latina na estupidez popular chega a ser messiânica.
Não é por outra razão que os partidos de direita e os de extrema
esquerda que lhes servem de linha auxiliar vão minguando tanto no Brasil
quanto no resto de uma América Latina que hoje é a região que mais
avança econômica e socialmente em um mundo à beira do abismo.
A direita midiática parece não entender nada. Ao menos é o que dão a entender as suas “análises” desconectadas da realidade.
Incapaz de perceber que, para os povos da região, é assustador que
avanços sociais sejam tratados como fatos secundários, subjacentes a
critérios sobre as economias que não influem diretamente em suas vidas, a
direita chafurda em um discurso catastrofista.
Aqui mesmo no Brasil, o tal de “pibinho” foi alvo de grandes apostas
da direita midiática, como se alguns pontos percentuais a menos no
Produto Interno Bruto pudessem anular o pleno emprego e o crescimento da
renda que se vê nos países governados pela centro-esquerda.
No Brasil, porém, o governo Dilma nada de braçada. Poucos apostam nas
chances da oposição no ano que vem, ainda que alguns colunistas se
entreguem a devaneios. Já na Venezuela, a oposição direitista trabalha
para perder de pouco a eleição do sucessor de Chávez.
Ainda no Brasil, o PSDB e o DEM, os principais partidos de oposição,
encolheram assustadoramente no Legislativo, ainda que mantenham alguns
governos estaduais importantes. Todavia, no quartel-general tucano, São
Paulo, as expectativas não parecem promissoras.
Note-se que o parágrafo acima encontra concordância inclusive entre
os analistas da grande mídia mais partidários do PSDB e do DEM. Entre
outros jornalistas umbilicalmente ligados ao PSDB, a colunista da Folha
de SP Eliane Cantanhêde concorda comigo.
É fácil entender a razão desse processo de desidratação da direita
midiática latino-americana. Está sem outro discurso que não seja sobre
“corrupção” ou o de negar todos os avanços que a região experimentou na
última década.
No Brasil, particularmente, o discurso oposicionista-midiático sobre
os avanços do país é ainda mais delirante, pois se alterna entre negar
os fatos e, logo em seguida, aceitar os avanços mas atribuí-los ao
governo Fernando Henrique Cardoso.
Nesse aspecto, vira e mexe eclode uma campanha midiática tentando “ressuscitar” FHC.
Na eleição para prefeito de São Paulo em 2012, a campanha de José
Serra ensaiou pôr o ex-presidente na telinha para “avalizar” o candidato
tucano, mas logo que viu o resultado ruim dessa estratégia,
abandonou-a.
Até hoje, mais de dez anos após a primeira eleição de Lula, a direita
midiática ainda não percebeu que ele só chegou ao poder por conta da
revolta dos brasileiros com o estelionato eleitoral praticado por FHC em
1998, estelionato que, inclusive, foi endossado pela mídia.
Apesar de os jovens com vinte anos ou menos não terem memória sobre o
governo FHC, pais, avós, amigos, professores etc. lembram muito bem de
como era ruim este país até 2002 e sabem muito bem quanto o Brasil
avançou na década passada. E transmitem o conhecimento aos jovens.
Não existe hoje na América Latina, portanto, um projeto político
viável à direita. E mesmo as aventuras golpistas acalentadas por tantos
na região, como as experiências em Honduras e Paraguai, não se mostram
promissoras e desestimulam novas aventuras iguais.
Vejamos o caso da Venezuela: a saída de Chávez da cena política não
aumentou as chances da oposição. Assim, não adianta extirpar um Chávez
ou um Lula, porque a consciência política na América Latina já ganhou
dinâmica própria.
Até as apostas em criminalização de líderes de centro-esquerda parecem fadadas ao fracasso.
No Brasil, quem aposta em que a criminalização de Lula irá render
dividendos políticos, engana-se. Vista como única chance pela direita
midiática para vencer em 2014, será entendida como golpe dos ricos
contra os pobres, o que elegerá Dilma ainda mais facilmente.
Em resumo, o que está construindo a hegemonia da centro-esquerda na
América Latina é a distância abissal que separa a direita midiática do
povo. Essa direita trata a volta por cima no emprego e na renda como
fatos secundários.
O maior eleitor da centro-esquerda latino-americana é a direita
midiática. Se fosse mais comedida, se respeitasse mas o povão, seria
muito mais difícil derrotá-la. A arrogância da elite branca e midiática
latino-americana é a sua maior inimiga.
http://www.blogdacidadania.com.br/2013/03/em-guerra-com-os-fatos-imprensa-latina-se-desmoraliza-dia-apos-dia/
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