Sempre que ocorrem tragédias como a que se abateu sobre Santa Maria
(RS), parece que a sociedade descobre “de repente” problema que é antigo
e para o qual, apesar dos precedentes, nunca ninguém jamais deu bola.
Isso, porém, só ocorre porque tantas outras tragédias coletivas,
oriundas de uma conjunção de fatores perversos, terminaram no
ostracismo.
No entanto, estamos carecas de saber que tragédias como o incêndio na
boate “Kiss”, na aprazível cidade gaúcha, são possibilidades vigentes
em quaisquer espaços, abertos ou fechados, nos quais grandes
contingentes de pessoas se aglomeram.
Em 2004, em Assunção, no Paraguai, ocorreu um número parecido de
vítimas em incêndio no supermercado Ycuá Bolaños. E as semelhanças não
param no número de vítimas. Em maioria, as vítimas paraguaias morreram
pela mesma causa que as gaúchas: asfixia.
O supermercado tinha três andares e um complexo comercial com
restaurantes, escritórios e estacionamento subterrâneo. Houve explosões
no primeiro andar. Como em Santa Maria, o pânico também tomou conta das
pessoas. Os seguranças do supermercado, assim como se suspeita que
possam ter feito os seus equivalentes gaúchos, fecharam as portas para
evitar que as pessoas saíssem sem pagar.
A tragédia paraguaia foi um pouco maior do que a gaúcha. O relatório
final das autoridades paraguaias confirmou 374 mortos, 9 desaparecidos e
quase 500 feridos. A causa seriam instalações defeituosas para condutos
de gás inflamável, que explodiu causando o incêndio.
Note, leitor, que se trata de estabelecimentos de naturezas
distintas, com prováveis causas distintas, mas que, entre si, guardam
uma semelhança fundamental: derivaram da tolerância com a falha, com a
assunção de riscos “calculados”, conceito que está por trás da tragédia
gaúcha, da paraguaia e de tantas outras por todo o mundo, desde casas
noturnas, supermercados, cinemas e teatros até hospitais, entre tudo
mais que pode ser vítima da tolerância com o previsível.
Há, inclusive, epigrama da cultura ocidental que se tornou quase um
lugar comum e que explica essa tragédia que ora se abate sobre o Brasil,
mas que ocorre com muito mais freqüência do que supomos e com base nos
mesmos fenômenos de incompetência e descaso administrativo e
organizacional.
O que está na raiz dessas desgraças anunciadas é a inobservância da
surrada “Lei de Murphy”, que reza que “Se qualquer coisa puder correr
mal, irá correr mal”.
O Murphy que deu nome à teoria, para quem não sabe, é o engenheiro
aeroespacial norte-americano Edward A. Murphy. Certa feita, encarregado
de conduzir um teste de tolerância à gravidade por seres humanos, viu o
experimento falhar devido a sensores que funcionaram mal. Isso ocorreu
porque a instalação do equipamento foi feita de forma errada.
Frustrado, Murphy disse a frase que se tornaria célebre adágio: “Se
esse cara tem algum modo de cometer um erro, ele o fará”. Dessa frase,
decorreu a assertiva de que “Se existe mais de uma maneira de uma tarefa
ser executada e alguma dessas maneiras resultar num desastre,
certamente será a maneira escolhida por alguém para executá-la”.
E o que foi o desastre de Santa Maria se não uma tarefa
mal-executada? A tarefa dos organizadores do evento, das autoridades
locais e até da universidade que intermediou sua realização era “cercar”
os fatores que poderiam dar errado. Ignoraram, pois, a boa e velha Lei
de Murphy.
Nos próximos dias, confirmar-se-ão os absurdos da organização do
evento de Santa Maria. O uso de “fogos de artifício” em um ambiente
fechado é um absurdo tão grande que, só aí, já bastaria para definir o
nível de desprezo por qualquer protocolo de segurança. Como um show tão
concorrido (2 mil pessoas) é organizado sem que seus detalhes sejam
submetidos à aprovação das autoridades?
Nem vamos falar da insuficiência das saídas de emergência ou dos
seguranças que, sem instrumentos para saber o que estava ocorrendo do
lado de dentro, possam ter impedido pessoas de sair. Há falhas muito
mais óbvias, tais como o forro do ambiente, que, se obedecesse a normas
de segurança exigíveis por lei, não pegaria fogo, pois deveria ser de
material anti-inflamável.
Logo, portanto, surgirão propostas de novas leis e normas para os
estabelecimentos comerciais e demais espaços que atraem grande afluxo de
pessoas. Tudo bobagem. Não são necessárias. Regulamentação existe, e
muita. O que não existe é cumprimento da regulamentação e, obviamente,
fiscalização dessa regulamentação.
Há que refletir, pois, sobre como fazer para que espertalhões parem
de correr riscos com a vida alheia ao ignorarem que deixar pontas soltas
em questões como normas de segurança é certeza absoluta de que
tragédias ocorrerão. E a melhor forma de desestimular esse tipo de
mentalidade “empresarial” é punir exemplarmente quem a adota ou
facilita.
http://www.blogdacidadania.com.br/2013/01/santa-maria-e-a-lei-de-murphy/
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