quarta-feira, 13 de julho de 2011

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Blog do Manuel Dutra
Jornalismo, Ciência, Ambiente



No dia 11 de dezembro o Brasil verá, pela primeira vez, o povo se manifestando num plebiscito sobre a reorganização territorial e criação de novos Estados. Todos os demais Estados criados após a Independência foram resultado de decisões autoritárias. O Tocantins seria a exceção, mas neste caso quem se manifestou foi o Congresso constituinte e não o povo.
Mato Grosso foi dividido por uma canetada do general-presidente Figueiredo. Amapá, Acre, Rondônia e Roraima foram decisões do ditador Getúlio Vargas que os fez Territórios Fedrais depois transformados em Estados pelos constituintes de 1988. Muito antes, dom Pedro II criou Paraná e Amazonas. A própria capital fedral, Brasília, cujo território foi retirado de Goiás, foi decisão solitária de Juscelino Kubistchek, projeto que enterrou o país na onda inflacionária que até hoje nos atemoriza.
O plebiscito pelo Tapajós e Carajás é, portanto, uma experiência sócio-política inédita e por isso o Brasil deveria prestar mais atenção, ao invés de as elites nacionais, especialmente a "grande" imprensa, ficarem desdenhando e externando o seu conhecido preconceito a respeito de tudo que se faz e tenta fazer na Amazônia. Seu preconceito só não se manifesta em relação ao saque dos recursos naturais daqui para lá.
Os que se opõem usam os mesmos surrados argumentos do passado, de que uma nova unidade autônoma sairia muito caro. Caro ao país é o projetado "trem-bala" Rio-S.Paulo, bilhões que poderiam ser empregados na construção de rodovias e ferrovias decentes por todo o país. Caro aos milhões de amazônidas são os mega-projetos de gigantescas hidrelétricas e de mineração que carregam as riquezas da região para fora, muito pouco ou nada deixando aos brasileiros da Amazônia, tão brasileiros quanto os demais. Caro, caríssimo ao Brasil é a percepção de governos tanto ditatoriais como democráticos que continuam a encarar a região como colônia do Brasil e do grande capital, nacional e estrangeiro.
Continua sendo caro a todos nós a visão imediatista da demanda por autonomia de vastas regiões da Amazônia, como se isso tivesse surgido agora, do nada, fruto apenas de "aventureiros", como dizem os oponentes. Um mega-problema que tem uma vida longa e que se entranha, no caso do Tapajós, na cultura da população. Isso se verifica nos antigos relatos de estudiosos que entraram na Amazônia no passado distante, ou que dela se ocuparam em seus escritos.


CONTRA A NATUREZA


A divisão territorial da Amazônia em unidades administrativas autônomas é um tema que encontramos nas observações de Luiz Agassis, em 1865. Escreve ele:
“A delimitação atual das Províncias do Pará e do Amazonas é inteiramente contrária à natureza. Todo o vale está dividido transversalmente em duas partes, de modo que a metade inferior fatalmente se opõe ao livre desenvolvimento da metade superior; o Pará [a cidade de Belém] tornou-se o centro de todas as atividades e drena, por assim dizer, toda a região sem vivificar o interior: o grande rio, que deveria ser uma enorme estrada interprovincial, tornou-se um curso d’água local, poder-se-ia dizer.
Agassiz sugeria, a exemplo do Mississipi, que o Rio Amazonas servisse de limite a diversas províncias autônomas situadas em suas margens. E traçou uma proposta: na vertente meridional, criar-se-ia a Província de Tefé, indo da fronteira do Peru ao Madeira; do Madeira ao Xingu, a Província de Santarém; e que a Província do Pará se reduzisse ao território compreendido entre a do Xingu e o mar, acrescentando-se-lhe a Ilha do Marajó. Assim, essas unidades seriam atravessadas por grandes cursos d’água.
Para as zonas situadas ao norte seriam criadas as Províncias de Monte Alegre, indo do oceano até o rio Trombetas; a de Manaus, entre o Trombetas e o Negro, e talvez a de Japurá, compreendendo a região entre o Negro e o Solimões.
Agassiz faz a comparação com os Estados Unidos pela óbvia razão de possuírem os dois países extensos territórios, e também pelas diferenças de evolução histórica entre ambos, no tocante à ocupação de seus espaços. O autor acredita que a decadência das cidades resulta da excessiva centralização das decisões. Afirma Agassiz:
“... Quem quer que haja estudado bem o funcionamento do atual sistema do Vale do Amazonas deve estar convencido de que, longe de progredirem, todas as cidades fundadas de um século para cá ao longo do grande rio e de seus tributários, caem em decadência e em ruína. É, sem contestação possível, o resultado da centralização, no Pará [Belém], de toda a atividade real da região inteira”.
Autor de uma proposta de nova divisão territorial do Brasil, dentre as várias idealizadas desde meados do século 19, Fausto de Souza continua sendo referência para propostas idênticas feitas na atualidade, como se verificou por ocasião dos debates da Comissão de Estudos Territoriais que funcionou após a promulgação da Constituição de 1988.
Com vistas a dar maior igualdade física às províncias, mas também levando em conta “diversas variáveis (área, população, rendas, etc.) de modo a haver equilíbrio entre seus produtos ou momentos”, respeitando “muita coisa já consagrada pelo tempo e antigos hábitos”. Fausto de Sousa propôs a criação, no Império, de 40 províncias, sendo, no caso da Amazônia, a região subdividida em nove unidades.
Ele compara as extensões físicas das Províncias do Amazonas e de Sergipe, esta quase 49 vezes menor que aquela, exemplo tido como o mais aberrante do que o autor chama de “desigualdade de território” que ele identifica em todo o Brasil.
Desde os momentos seguintes à Independência até 1966, como explica o historiador amazonense Samuel Benchimol, destacam-se 14 projetos ou propostas de reorganização territorial do Brasil, todos alterando substancialmente o mapa da região amazônica.
Benchimol atribui a manutenção da configuração territorial da região a um certo “tradicionalismo histórico, que vem preservando os vastos latifúndios políticos” da Amazônia e do Centro-Oeste.




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