Ao contrário do que diz o título, o Brasil é um país cheio de
problemas. Temos problemas imensos na Educação, na Saúde, na Segurança
Pública, na Habitação, no Transporte… E por aí vai. Todavia, nenhum
desses problemas decorre da falta de meios para que sejam resolvidos.
Se não reduzimos esses tipos de problemas – porque sociedade alguma
conseguiu acabar com todos eles cem por cento –, apesar de termos meios
para fazê-lo, é por alguma razão que ainda teremos que detectar.
Este é um país muito rico em recursos naturais, tem uma indústria
dinâmica e diversificada e um clima que só causa catástrofes por
imprevidência, pois nossos problemas climáticos resumem-se a excesso ou
falta de chuvas.
Muita chuva poderia não causar problemas se populações não habitassem
áreas de risco ou se as urbes tivessem sistemas adequados de
escoamento; a falta de chuva poderia não causar problemas se ao longo da
história tivessem sido feitas obras para irrigar regiões áridas.
Dinheiro para pagar bons professores e construir boas escolas, para
organizar forças policiais bem-treinadas, para implantar hospitais e
clínicas de boa qualidade, para construir sistemas eficientes de
transporte público etc., não falta.
O único problema do Brasil, portanto, é o de que os seus recursos
naturais e financeiros não são usados como deveriam. Ou seja: não são
usados para atender a todos. Pelo contrário, são usados fartamente em
prol de poucos e escassamente em prol da imensa maioria.
Sem mais delongas, portanto, vamos ao ponto: o único problema do
Brasil é o individualismo de seu povo. E existem até números para
comprovar isso.
Somos uma sociedade em que poucos têm muito e muitos têm pouco ou, em
certos casos, quase nada. É a chamada “desigualdade social” o que faz
do Brasil um país que tem recursos para melhorar a vida de seu povo, mas
que não melhora porque esse povo não quer.
Pode parecer exagero dizer que nosso povo tende ao egoísmo diante do
fato de que só uma minoria ínfima concentra a parte do leão da renda –
no caso da renda oriunda do trabalho, por exemplo, segundo a Pnad de 2011 (IBGE) os 10% com rendimentos mais elevados concentraram 41,5% da massa salarial do país.
O fato de uma minoria concentrar a renda, porém, não significa que a
maioria que vive com as migalhas que caem das mesas dos ricos seja
composta de pessoas generosas. A solidariedade não chega a ser uma
característica nacional.
O individualismo do brasileiro se torna visível em seu cotidiano.
Quando jogamos lixo nas ruas estamos demonstrando que tudo o que nos
importa é nos afastarmos dele, deixando-o para os que vivem naquele
ponto onde o jogamos.
No trânsito das nossas cidades, o sujeito pensa como pedestre
enquanto não tem carro, mas basta comprar um para agir igualzinho a quem
tem, desrespeitando quem anda a pé.
São fartos os exemplos de cidadãos que quando melhoram de vida mudam de vizinhança, de hábitos e de mentalidade.
O brasileiro não quer igualdade, quer mudar de lado.
Um dos fatores que induzem a essa conclusão é a opinião da maioria
esmagadora sobre a idade de maioridade penal. Estudo recente do
instituto Datafolha mostrou que 93% dos paulistanos querem que diminua –
no resto do Brasil não é muito diferente.
Segundo o RELATÓRIO NACIONAL DO ESTADO BRASILEIRO
feito em 2012 pela Secretaria Nacional de Direitos Humanos da
Presidência da República, o Brasil possui cerca de 513.802 pessoas
mantidas em unidades do sistema carcerário e da polícia e essa população
carcerária, em média, é jovem, masculina, negra e de baixa
escolaridade.
Sempre segundo esses dados oficiais, em 2011 53,6% da população no
sistema penitenciário tinha entre 18 e 29 anos, 93,6% eram homens, 57,6%
eram negros e pardos e 34,8% eram brancos. Além disso, 45,7% da
população do sistema penitenciário possuía ensino fundamental
incompleto, enquanto apenas 0,4% possuía ensino superior completo.
Esses números mostram, inequivocamente, que criminalidade e violência
estão associadas à pobreza, à desigualdade e à baixa escolaridade. Não
fosse assim, os de nível social mais alto deveriam estar nas prisões em
proporção equivalente à dos de nível social mais baixo.
Contudo, o individualismo não pode aceitar a relação entre ignorância
e pobreza, de um lado, e criminalidade de outro. Afinal, se essa for a
conclusão haverá que colocar essas chagas sociais como prioridades.
Em vez de a sociedade, de ricos a pobres, abrir a mente para números
inequívocos, porém, o que fazemos é culpar as leis “brandas” pela
criminalidade e pela violência.
Vale atentar para o que diz Luís Carlos Valois, Juiz da Vara de
Execuções Penais no Amazonas, doutorando em Criminologia pela USP e
membro da Associação de Juízes para a Democracia e da LEAP-Low
Enforcement against Proibition (Agentes da Lei contra a proibição das
drogas).
Valois relata que segundo a Corte Interamericana de Direitos Humanos o
sistema carcerário do Brasil é considerado um dos mais brutais no
mundo. E o que mais cresce (!!).
A superlotação dos presídios brasileiros, segundo esse juiz, chegou a
um ponto em que, em lugares como o Estado do Espírito Santo,
contêineres chegam a ser utilizados como celas. Outro dado estarrecedor:
mais de 1/3 da população carcerária tem HIV.
E aos que, a exemplo de quem pede “redução da maioridade penal”,
pregam a pena de morte como “solução” para a criminalidade, uma notícia:
já existe pena de morte no Brasil.
No fim do ano passado em Genebra, na Suíça, os países do Conselho de Direitos Humanos da ONU pediram que o Brasil acabe com as execuções extrajudiciais cometidas pela Polícia Militar.
Os relatórios da ONU
sobre execuções sumárias no país chamam atenção para as taxas
“alarmantes” de violência policial. Veja só o adjetivo, leitor:
“alarmante”. Isso porque a pena de morte extraoficial é “carne de vaca”,
no país.
Todo aquele que infringe a lei, sobretudo se for pobre e negro, sabe
que a chance de ser executado pela polícia, se for pego, é enorme. Sem
julgamento, sem juiz e sem júri. Contudo, bandidos como os que entopem
nossas prisões não têm medo de morrer.
Este blogueiro já visitou comunidades pobres – ou melhor, paupérrimas
– em que adolescentes e até crianças dizem que preferem ter uma vida
“boa” – leia-se uma vida que possa lhes dar bens materiais – e curta a
uma vida longa e cheia de privações.
A mídia esconde esses dados. Ou melhor: não chega a esconder, mas esse tipo de informação sai bem discretamente nos jornais.
Como a desigualdade brasileira é tão grande e está na base da riqueza
desproporcional de grupelhos minúsculos da sociedade, esses setores
conseguem convencer todas as classes sociais inferiores – inclusive a
média – de que repressão vai “resolver” o problema.
Ah, o individualismo brasileiro.
Na semana passada, uma manifestação de professores da rede pública
pedindo melhores salários parou a avenida Paulista, em São Paulo. Uma
pessoa humilde que foi prestar serviço em minha residência – alguém que
tem filho em escola pública – chegou reclamando da manifestação porque
estava no ônibus e perdeu tempo.
Não se trata de uma madame que estava indo ao cabeleireiro, mas uma
pessoa simples. Perguntei-lhe, então, se não achava que seria melhor
para seu filho que seus professores fossem melhor remunerados. A pessoa
me olhou como se eu fosse de outro planeta.
O conservadorismo, as ideias elitistas e o apoio à repressão como
forma de combater a criminalidade seduz a todas as classes sociais.
Inclusive aquelas que são vítimas da repressão, que têm filhos
chacinados por policiais doutrinados pelo preconceito contra pobres.
Alguns espertinhos, adeptos da teoria de que repressão resolverá a
explosão de violência e criminalidade em curso no país, argumentam que a
desigualdade caiu durante os governos Lula e Dilma e assim mesmo a
violência aumentou.
De fato, no Brasil da década passada houve a maior queda da desigualdade em toda história do país.
Segundo o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD),
apesar de o índice de Gini (que mede a desigualdade no mundo) ter caído
de 0,59 no fim do governo FHC (2001) para 0,503 em 2011, o Brasil ainda é o 12º país mais desigual do mundo – em 2002 era o 4º.
Ora, então quer dizer que a queda da desigualdade não resolveu nada?
Balela. Como você acha que estaria o país em termos de violência e
criminalidade, leitor, se a desigualdade não tivesse caído?
Provavelmente estaríamos em guerra civil, hoje.
Esse individualismo verde-amarelo está acabando com o país…
Nosso individualismo pode ser visto até no transporte público caótico
de uma megalópole como São Paulo. As pessoas invadem os trens, empurram
mulheres, idosos, crianças, gestantes, sentam-se nos lugares destinados
a eles. É um caos.
Há algum tempo, o jornalista da TV Record Luiz Carlos Azenha fez uma
matéria fantástica sobre os trens urbanos da grande São Paulo.
O repórter ficou dentro de uma composição filmando a entrada dos
passageiros nas primeiras horas da manhã. O que se viu foi que os homens
invadem o vagão à frente das mulheres valendo-se de sua maior força
física. Resultado: elas acabam viajando em pé e só se vê homens
sentados.
Ah, como somos individualistas. A pobreza não nos torna mais
solidários. Pelo contrário, a luta pela sobrevivência tornou este povo
adepto de lemas como “Salve-se quem puder” ou “Quem pode mais, chora
menos”.
Esse, portanto, é o único problema do Brasil. O individualismo do
nosso povo está nos conduzindo a uma situação cada vez mais explosiva.
Enquanto não entendermos que somos uma nação só, a situação continuará
piorando. Quem viver, verá.
http://www.blogdacidadania.com.br/2013/05/o-unico-problema-do-brasil/
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