Sob Roberto Civita, a maior editora de revistas do País se transformou,
nos últimos anos, em instrumento de ódio e numa trincheira de combate
permanente ao PT; no entanto, o apoio de governos tucanos pode também
estar chegando ao fim, com o ocaso do PSDB em São Paulo; é nesse
ambiente delicado que Giancarlo Civita, um herdeiro sem nenhuma
experiência jornalística, assume o comando da empresa, que busca
diversificar suas atividades; executivo Fábio Barbosa, que tem trânsito
em Brasília, poderia ser um pacificador, mas caberá a "Gianca" definir a
sua própria linha editorial; na Abril de hoje, existem os que realmente
odeiam, como Reinaldo Azevedo, os que fingem odiar, como Augusto Nunes,
e os fiéis devotos de Roberto Civita, como Eurípedes Alcântara, diretor
de Veja
247 - Talvez
não haja exemplo no mundo comparável ao do grupo Abril. Uma casa
editorial que, mais do que qualquer outra, em qualquer parte do planeta,
tenha exercido um protagonismo político tão forte na sociedade em que
está inserida. Veja, principal publicação do grupo, foi a revista que,
em 1989, ano da primeira eleição presidencial após o regime militar no
Brasil, inventou o personagem "caçador de marajás", ajudando a eleger
Fernando Collor. Foi também a revista que liderou seu processo de
impeachment, três anos depois. E que, em 1994 e 1998, abraçou fortemente
os projetos políticos do PSDB, encarnados na figura do ex-presidente
Fernando Henrique Cardoso.
A partir de 2003, com a
chegada do PT do ao poder, Veja deixou de ser propriamente um produto
jornalístico para se transformar numa trincheira de combate político.
Contribuíram para esse fenômeno razões de natureza ideológica, como o
alinhamento automático da família Civita com os Estados Unidos e seus
interesses financeiros, mas também de cunho econômico. Próximo a
políticos como FHC e, sobretudo, José Serra, o editor Roberto Civita,
falecido ontem, soube também aproveitar as oportunidades criadas por
máquinas poderosas, como o Palácio dos Bandeirantes e a Prefeitura de
São Paulo. E fez da venda de assinaturas e de revistas educacionais ao
setor público um de seus maiores negócios – o que contribuiu para
colocá-lo na lista de bilionários da revista Forbes.
Nesses dez anos de
combate permanente, a Abril descambou, em vários momentos, para o
preconceito, o ódio de classes e a mentira, pura e simples. Veja foi a
revista que, numa de suas capas, deu um pé na bunda do ex-presidente
Lula, expressando aquele que talvez fosse o maior desejo de Roberto
Civita. Em outra, mais recente, colocou Dilma pisando num tomate,
aderindo ao lobby não declarado pela alta das taxas de juros no Brasil. E
publicou denúncias jamais comprovadas em sua caçada ao PT, como a dos
famosos dólares de Cuba – esta, ancorada no suposto depoimento de um
morto. Um "escândalo", diga-se de passagem, que foi apenas um entre
dezenas de exemplos de transgressões editoriais.
Em 2010, quando Dilma
Rousseff chegou ao poder, e Lula, o operário-presidente que jamais foi
aceito por Civita já estava fora do Palácio do Planalto, muitos tinham a
expectativa de que a Abril poderia ajustar sua linha editorial,
retornando a uma postura menos extremista e mais ao centro, condizente
com o retrato da sociedade brasileira. Um dos sinais foi a saída de
Diogo Mainardi e o deslocamento de editores que comandavam a falange do
ódio na publicação para posições subalternas. Outro foi a contratação de
Fábio Barbosa, ex-presidente do Santander, que havia sido membro do
conselho de administração da Petrobras, sob a presidência de Dilma, e
tem bom trânsito em Brasília.
No entanto, quando veio o
julgamento da Ação Penal 470, o chamado mensalão, o ódio falou mais
alto. Veja fez de tudo para emparedar ministros do Supremo Tribunal
Federal não alinhados com a condenação, forjou alianças com alguns deles
e alimentou novos enredos de ficção, como na suposta tentativa de
intimidação do ministro Gilmar Mendes pelo ex-presidente Lula. Quando
veio a tão esperada condenação, a revista estampou em sua capa fogos de
artifício, mas todo o esforço não atingiu plenamente seus objetivos – na
eleição municipal de 2012, José Serra foi derrotado para Fernando
Haddad, do PT.
Ao mesmo tempo, Veja
sofreu o maior arranhão de sua credibilidade em todos os tempos, com a
comprovação de que manteve uma aliança de mais de uma década com um dos
maiores contraventores do País – o bicheiro Carlos Cachoeira, que
produzia, com métodos ilegais, como grampos clandestinos, vários de seus
escândalos. Para evitar a convocação de Civita a Brasília, onde
passaria pelo constrangimento de depor diante de uma CPI, Fábio Barbosa
apelou até mesmo ao ex-ministro José Dirceu – alvo preferencial de Veja
nos últimos anos. E usou a doença de Civita como argumento.
E agora, Gianca?
É nesse ambiente
conturbado que Giancarlo Civita, filho mais velho de Roberto, sem
nenhuma experiência na área jornalística, e com fama de playboy, assume o
comando da editora. Uma mudança que lança dúvidas sobre o futuro da
Abril. Na área editorial, a corrosão da credibilidade e a guinada à
direita radical afugentaram leitores – especialmente aqueles mais
politizados. No mundo político, o ocaso do PSDB em São Paulo, que perdeu
a prefeitura da capital e corre riscos no governo do Estado, também
enfraquece uma das principais alianças da Abril. Um dos principais novos
negócios, que é a educação e a venda de sistemas de ensino, também
depende de uma certa diplomacia política. Por isso mesmo, Fábio Barbosa
tem ido com frequência a Brasília, na tentativa de sinalizar que é um
homem de paz.
O maior desafio de
"Gianca", no entanto, será definir sua própria linha editorial na Abril.
Nos últimos dez anos, com Roberto Civita tomado pelo ódio e pelo
preconceito, a área editorial de Veja, principal revista da casa,
assumiu essas feições. Há ali os que realmente odeiam, como Reinaldo
Azevedo, os que fingem odiar, como Augusto Nunes (que até poderia amar o
PT, se fosse o caso), e os fiéis devotos da ideologia abriliana, como
Eurípedes Alcântara, diretor de redação de Veja.
Se Gianca decidir delegar
todo o poder à redação, nada mudará. No entanto, sem o trânsito
político de Roberto Civita, não será simples converter o ódio e o
preconceito ao PT em benefícios econômicos. Se estiver disposto a ouvir
Fábio Barbosa, haverá uma possibilidade real de maior equilíbio. E há
ainda uma terceira hipótese, que é a de que o príncipe herdeiro imprima
sua própria marca editorial a um grupo ainda influente, mas que enfrenta
vários desafios simultâneos: a transformação profunda da mídia, a
mudança tecnológica e a própria conscientização dos leitores, que
rejeitam a manipulação.
http://www.brasil247.com/pt/247/midiatech/103254/Para-onde-vai-a-Abril.htm
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