Relatório final do BC mostra que o ex-governador de São Paulo e
ex-presidenciável tucano foi o maior beneficiário das doações do banco
comandado por Luís Octavio Índio da Costa, que deixou um rombo de R$ 2,2
bilhões na praça; em 2010, o banco injetou R$ 1,2 milhão na campanha de
Índio da Costa, vice de Serra, e mais R$ 1,8 milhão no diretório
nacional do PSDB; Ministério Público investiga fraudes cometidas pela
instituição
247 -
Fraudes bancárias, operações simuladas, créditos artificiais e alguns
milhões torrados em campanhas políticas. Esse coquetel explosivo foi
determinante para a ascensão e queda do banco Cruzeiro do Sul, que
quebrou em 2012, deixando um rombo agora calculado pelo Banco Central em
R$ 2,2 bilhões. Um relatório sigiloso obtido pela revista Istoé revela
os meandros da falência bancária e indica também o tucano José Serra
como o maior beneficiário das doações concedidas pela casa bancária que
adorava fazer favores a políticos.
Leia, abaixo, trechos da reportagem de Claudio Dantas Sequeira e Josie Jeronimo:
Relatório final do BC mostra fraudes e grampos de um banco que adorava ajudar políticos
O esquema montado
pelo dono do banco Cruzeiro do Sul, Luis Octavio Azeredo Indio da
Costa, gerou um rombo de R$ 2,2 bi. Documentos relevam que o BC foi
grampeado pelos banqueiros, que doaram R$ 12 milhões a políticos. O
maior beneficiário foi José Serra
Claudio Dantas Sequeira e Josie Jeronimo
Na última semana, ISTOÉ
teve acesso a um relatório exclusivo da Comissão de Inquérito do Banco
Central com novas revelações sobre a bilionária fraude do Banco Cruzeiro
do Sul, que sofreu intervenção em junho do ano passado e foi liquidado
três meses depois. O documento de 247 páginas revela que o esquema
criminoso montado pelos banqueiros Luis Felippe Indio da Costa e Luis
Octavio Azeredo Indio da Costa, pai e filho, foi ainda maior do que a
Polícia Federal e o Ministério Público tinham conseguido apurar. O banco
contou ainda com a omissão de grandes empresas de consultoria e até com
um aparato de arapongagem que garantia acesso a informações
privilegiadas.
Na documentação, obtida
com exclusividade por ISTOÉ, pareceres e notas jurídicas revelam a
incrível variedade de crimes cometidos e o tamanho do golpe. Segundo o
relatório, foram feitas 682 mil operações de empréstimos fictícios – o
dobro do que a PF e o Ministério Público imaginavam. Os auditores do BC
também concluíram que houve desvio de recursos por triangulação e
encontraram indícios veementes de lavagem de dinheiro e evasão de
divisas. O rombo deixado pela gestão fraudulenta dos Indio da Costa, que
era estimado em R$ 1,3 bilhão, ultrapassa os R$ 2,2 bilhões, conforme o
relatório do BC. Agora, a Polícia Federal quer saber se o dinheiro da
fraude teve como destino paraísos fiscais, contas de laranjas ou
campanhas políticas, como a do tucano José Serra. Nas eleições de 2006,
2008 e 2010, o Cruzeiro do Sul doou quase R$ 12 milhões para políticos
de diversas legendas. O partido mais beneficiado foi o PSDB. Em 2010, o
Cruzeiro do Sul injetou R$ 1,2 milhão na campanha do vice de Serra,
Indio da Costa, primo do presidente do banco. Também doou R$ 1,8 milhão
diretamente para o diretório nacional do PSDB, principal cofre da
campanha serrista. Outro R$ 1,3 milhão foi distribuído para diretórios
tucanos empenhados na campanha de Serra. A instituição buscava proteção
financiando políticos e mantinha uma boa relação com os tucanos. Ainda
não é possível afirmar, no entanto, que o dinheiro que acabou nas
campanhas eleitorais tenha vindo direto das operações fraudulentas dos
banqueiros. Mas a PF já investiga essa possibilidade.
Uma cópia da papelada do
BC chegou no fim da última semana à mesa da procuradora da República
Karen Louise Kahn e será anexada à ação penal. O resultado do inquérito
levou a Procuradoria-Geral do BC a pedir ingresso como assistente de
acusação contra os ex-controladores e ex-administradores do Cruzeiro do
Sul. Na petição recebida por Karen, o procurador-geral Isaac Sidney
Ferreira classifica de “gravíssimas” as acusações imputadas aos réus. As
irregularidades, de acordo com Ferreira, envolvem a celebração de
cessões de direitos creditórios em condições artificiais, a
contabilização de operações de créditos inexistentes e o falseamento de
demonstrações financeiras. Segundo o procurador-geral do BC, as
operações irregulares (saiba no quadro ao lado como os golpes eram
aplicados) são indicativos dos crimes de gestão fraudulenta, indução em
erro de sócios, depositantes, investidores e o próprio ente fiscalizador
e inserção de elementos falsos em demonstrativo contábil. “Não podem
ser ignorados os possíveis efeitos deletérios das condutas descritas na
denúncia sobre o funcionamento e a credibilidade do Sistema Financeiro
Nacional”, escreve Ferreira. O procurador defende a minuciosa apuração
dos fatos e punição dos responsáveis. No âmbito das responsabilidades, o
relatório do BC apontou para a omissão das auditorias KMG e
Ernest&Yong, que acompanhavam a saúde financeira do Cruzeiro do Sul e
não identificaram as irregularidades. A prática será investigada agora
pelo Ministério Público Federal, que poderá determinar se houve erro de
procedimento ou conivência dos auditores.
A Polícia Federal
investigará também o monitoramento telefônico de fiscais do BC por parte
da cúpula do Cruzeiro do Sul. Foi justamente essa suspeita que levou o
Ministério Público a pedir, no ano passado, a prisão dos banqueiros. Em
depoimento ao delegado federal Milton Fornazari e em ofício encaminhado à
procuradora Karen, até agora inéditos, o presidente da Comissão de
Inquérito do Banco Central, Clovis Vidal Poleto, diz que descobriu o
grampo quando examinava os registros telefônicos dos operadores de mesa
do Cruzeiro do Sul. Embora essas “gravações de box” (como são chamadas
pelos fiscais do BC) sejam obrigatórias pela Comissão de Valores
Imobiliários (CVM), Poleto encontrou escutas que não tinham relação com
as operações e até telefonemas efetuados pelos membros da Comissão de
Inquérito, o que configuraria “quebra de sigilo das operações
invetigadas”. Poleto considerou o fato como “de extrema gravidade”, pois
as investigações e a apuração das responsabilidades dos administradores
poderiam ficar comprometidas. À PF, Poleto disse ainda que fiscais do
Banco Central já vinham sendo monitorados havia algum tempo. Ele
analisou gravações de conversas entre o então superintendente de
operações e contratos de empréstimos, Horácio Martinho Lima, e o
presidente do banco Cruzeiro do Sul, Luis Octavio, em que ambos
discutiam “o teor de e-mail trocado entre analistas do BC que à época
estavam dentro das instalações físicas do banco, realizando fiscalização
em momento anterior à decretação da intervenção”.
Apesar de ter conseguido a liberação de seus clientes, o advogado Roberto Podval alega que a acusação de grampo não faz sentido. “Havia um sistema que gravava automaticamente todas as conversas da mesa telefônica. Ou por erro do sistema ou por procedimento automático, conversas de fora da mesa estavam gravadas. Mas elas faziam prova contra o próprio banco”, afirma. Podval reclama também que ainda não teve acesso às informações do Banco Central e alegou desconhecer totalmente o conteúdo do relatório da Comissão de Inquérito do Banco Central. Diante do empenho do BC em investigar o Cruzeiro do Sul, Roberto Podval avalia que seus clientes são alvo de perseguição política. “Não tenho dúvida de que esse tratamento diferenciado é por conta das ligações do banco com a oposição ao governo do PT”, alega Podval. O argumento carece de respaldo, uma vez que a Procuradoria do BC atua hoje como assistente de acusação em 55 ações penais. Dessas, 27 são sobre crimes contra o sistema financeiro e 20 envolvem ex-administradores e ex-controladores de bancos liquidados. Antes do Cruzeiro do Sul, o BC também entrou no recente caso do PanAmericano.
As relações políticas dos
banqueiros, porém, chamam a atenção, especialmente a partir de 2006.
Naquele ano eleitoral, Luis Octavio Indio da Costa, Marcelo Xandó e
Marcio Serra Dreher – indiciados agora junto a 14 executivos do banco –
comemoravam o sucesso da Verax Serviços Financeiros, gestora do Cruzeiro
do Sul. A empresa, então com apenas três anos de vida, atingia R$ 1
bilhão em recursos administrados. O foco do negócio eram os chamados
Fidcs, mais conhecidos como fundos de recebíveis. Os mesmos que foram
usados posteriormente para maquiar resultados e engordar dividendos,
segundo o BC.
Em 2006, os Indio da
Costa injetaram oficialmente R$ 500 mil nas campanhas do DEM (então
PFL), do PSDB e do PPS. O montante de R$ 100 mil ajudou na eleição para
deputado federal de Pedro Indio da Costa, primo do banqueiro. Em 2010,
quando o esquema de fraudes estava no auge, o banco derramou uma quantia
dez vezes maior para a oposição. José Serra, candidato presidencial,
chamou Indio da Costa para ser o vice na chapa. A articulação não
agradou a todos, mas garantiu doações milionárias à campanha. Mesmo
sendo um banco médio, o montante do Cruzeiro do Sul foi equivalente ao
doado por gigantes do setor, como Itaú e Bradesco.
Com acesso político a
chefes de governos estaduais e gestores de algumas autarquias federais,
os diretores do Cruzeiro do Sul firmaram 237 convênios e chegaram a uma
carteira de crédito consignado de R$ 500 milhões. Órgãos públicos de
Alagoas, Pará, Goiás, Roraima e Tocantins, Estados comandados por
governadores do PSDB, permitiram que o banco explorasse até 30% da folha
de pagamento de seus servidores. Em 2009, quando o então senador
Heráclito Fortes (DEM-PI) ocupava a primeira-secretaria do Senado, o
banco firmou convênio para a exploração do crédito consignado dos dez
mil servidores.
http://www.brasil247.com/pt/247/poder/101529/Serra-foi-quem-mais-levou-do-falido-Cruzeiro-do-Sul.htm
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