Parece piada. A mídia pressionou o STF durante anos para que passasse
o julgamento do “mensalão” do PT na frente do julgamento do “mensalão”
do PSDB (que diz ser “mineiro”) e agora, sem uma réstia de pudor, acusa a
CUT por dizer que vai à rua protestar se o juízo não for técnico. Como
se não bastasse, ainda indaga o que seria “julgamento técnico”.
Já trato das duas premissas caraduras do Partido da Imprensa
Golpista. Antes, porém, há que tratar de uma terceira premissa
midiática, que, à diferença das outras, faz todo sentido: e se o
julgamento do “mensalão” do PT não for técnico, for político, o que a
CUT fará? Vai praticar “ações terroristas”? Sim, porque essa hipótese,
acredite quem quiser, saiu na mídia.
Comecemos pelo fim. Se o julgamento for ou estiver sendo político –
lembrando que a medição de seu viés será explicada adiante –, sindicatos
e demais movimentos sociais irão à rua e ao mundo (organismos
internacionais) denunciar. Assim sendo, nada melhor do que promover atos
públicos para fazê-lo.
Todavia, é evidente que, nesse caso – no caso de o julgamento ser
político –, na prática ficaria tudo por isso mesmo, porque vivemos em um
país em que a ordem institucional deve prevalecer em qualquer situação,
de forma que condenações teriam que ser levadas a cabo e os condenados
teriam que se submeter às penas.
Até porque, dificilmente alguém cumpriria pena de prisão devido a
serem todos réus primários e por não estarem sendo acusados de nenhum
crime hediondo. A pena efetiva, portanto, seria política. Pairaria uma
nódoa sobre o governo Lula e esse é o verdadeiro objetivo da propugnação
de condenações sumárias que se vê na mídia.
Aliás, vale explicar que a possibilidade desse tipo de pena se
estende aos dois lados. Explico: como ficará a mídia – acima dos
partidos que se opõem ao PT – caso José Dirceu – acima de todos os
outros condenados – seja absolvido? Dirá que o STF está a serviço do
governo por a maioria de seus ministros ter sido indicada por Lula e
Dilma.
Todavia, essa hipótese seria prejudicada porque vários ministros
indicados pela presidente atual e por seu antecessor certamente votarão
pela condenação dos réus do “mensalão” do PT, de forma que ficará
difícil usar essa estratégia para explicar como poderão ter sido
absolvidos se durante tantos anos foram tratados como culpados.
Voltando à tese da condenação de todos os acusados, o que é
claramente previsível é que terminaria a mansidão que tem adotado a
esquerda em relação aos golpes desestabilizadores do consórcio
demo-tucano-midiático. Isso, por óbvio, não significa que seria
desencadeada uma luta armada no país, até porque o povo está pouco se
lixando para os mensalões petistas, tucanos ou demos.
Mas a transformação do STF em tribunal político a serviço daquele
“consórcio” certamente irá acirrar a luta política no país, o que pode
culminar até em uma candidatura de Lula à sucessão de Dilma, que, aliás,
conforme incontáveis pesquisas já revelaram é um anseio da sociedade.
A mídia e a oposição demo-tucana crêem que o PT, em caso de
condenação do principal acusado (José Dirceu), pagaria um preço nas
eleições deste ano. Seria mais um golpe eleitoral como todos os que o
partido vem enfrentando desde 1989, mas que pararam de funcionar em 2002
e que, aliás, podem não funcionar de novo.
É óbvio, no entanto, que uma condenação dos réus do “mensalão” do PT
salvaria São Paulo da ameaça petista ao último bastião da direita
midiática. Mas a hecatombe eleitoral que está sendo prevista para o PT,
em caso de haver julgamento político de José Dirceu (acima de todos os
outros, repito), pode não se concretizar.
Mas, mesmo que a hecatombe eleitoral se concretizasse, o
enfraquecimento municipal do PT não significaria que as chances da
direita em 2014 melhorariam tanto. Ainda mais se o resultado de um
julgamento político do “mensalão” petista provocasse a candidatura de
Lula na próxima eleição presidencial.
Por fim, vale dizer que não se imagina Dilma reagindo a um julgamento
injusto de seus correligionários, mas é perfeitamente possível imaginar
que ela cederia ao padrinho político o seu direito de se candidatar à
reeleição…
Restam, então, as duas premissas que inauguraram este texto.
Primeiro a criminalização do direito constitucional de expressão, de
reunião e de manifestação que a CUT tem e terá para protestar, direito
que a mídia tem usado à farta para pressionar o STF, inclusive tendo
tido sucesso ao fazê-lo passar o inquérito do “mensalão” petista na
frente do tucano.
Quantas vezes você que acompanha política viu a mídia acusar o
relator do inquérito petista, Ricardo Lewandowsky, de estar postergando a
entrega de sua análise? Quantas vezes viu o Partido da Imprensa
Golpista criticar a demora na marcação da data do julgamento? Isso não é
pressão? Pressão é só quando quem faz isso são o PT e seus aliados?
Então tá…
Sobre o que é “julgamento técnico” ou sobre o que é “julgamento
político”, é muito simples. Não há uma só prova de que José Dirceu (o
alvo principal de tudo) comandou o mensalão. Eu li o processo. O que
existe na acusação do procurador-geral da República que enviou o
inquérito ao STF ou na análise do ministro Joaquim Barbosa é que seria
verossímil a culpa do ex-ministro.
Sem que se apresente uma prova indubitável de que Dirceu comandou um
esquema para comprar votos no Congresso a favor do governo Lula, como,
por exemplo, uma transação qualquer, uma gravação ou um simples
testemunho forte por se respaldar em evidências insofismáveis, a
condenação do ex-ministro seria política – in dubio pro reu
Aliás, a situação de Dirceu é extremamente parecida com a de Fernando
Collor de Mello no processo no STF que o julgou pelas acusações que o
levaram a renunciar à Presidência – e, como se sabe, Collor foi
absolvido. Até porque, foi julgado sem pressão política devido a que
estava politicamente morto, à época.
Se forem invertidos os critérios que absolveram Collor devido ao fato
de que “verossimilhança” de acusações – um critério absolutamente
subjetivo – não basta para condenar alguém, portanto, o julgamento do
“mensalão” do PT terá sido político, o que constituiria um ataque à
democracia.
O que restaria fazer, então, além de exercer o jus esperneandi,
seria fazer política e vencer eleições tentando demonstrar ao povo que a
direita midiática quer retomar o poder para interromper os avanços na
distribuição de renda e de oportunidades.
Vencer eleições será a única forma de retaliar o ataque à democracia
que poderá ter sido cometido. Ao obter poder legislativo, haveria que
buscar caminhos para reformar a Justiça de forma que deixe de ser usada
por grupos políticos e pelo poder econômico. Todavia, esse seria o pior
caminho para um país que tem tantos outros desafios a superar.
Seria bem mais fácil – e muito melhor – se o STF se mostrasse à
altura do estágio em que o Brasil está e dos legítimos anseios da
sociedade para que o Estado se preocupe em reduzir as chagas sociais
gigantescas que ainda flagelam o país, apesar de todos os avanços. Até
porque, mesmo que a elite não se importe com isso ela é minoria da
minoria.
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